Por Pe. Leandro Bernardes
Como falar de ortodoxia no contexto pós-moderno? A princípio essa palavra soa como algo arcaico, obsoleto, fora dos padrões atuais da intelectualidade e do pensamento filosófico, porém, vejo que essa palavra exprime uma dimensão cristã não somente de pensamento, mas de atitudes, aliás, a Igreja não precisa de intelectuais, mas sim de santos.
A palavra ortodoxia vem do grego “orto”: “verdadeiro”, e “doxa (δόξα)”: “opinião”, que pode ser traduzido por “glória”, mas no contexto em que esse termo é utilizado a tradução é: “opinião verdadeira” (ορτοδοξία), ou “opinião reta”. Dizer que alguém é ortodoxo deveria ser um elogio, porém, isso se tornou um adjetivo pejorativo em nossos meios eclesiais. Na verdade existem cristãos que se dizem ortodoxos, por permanecer fiéis na verdadeira doutrina dos apóstolos e até denominam a Igreja de “Igreja Ortodoxa”.
Vejo claramente que todo cristão é ortodoxo (ou deveria ser), justamente porque trilha um caminho reto, verdadeiro, e não porque defende com unhas e dentes uma verdade eterna; aliás, é preciso ter muita cautela em defender verdades eternas. Recentemente eu vi um vídeo na internet que mostrava alguns padres e seminaristas da FSSPX expressando seu pensamento sobre a possibilidade dessa fraternidade voltar à comunhão com Roma. Os seminaristas diziam absurdos como: “não encontro Deus na Missa nova”, “Roma vai se abrir um dia à verdade eterna”, ou, “O Concílio Vaticano II deturpou o conceito de liberdade religiosa”. Com esse pensamento, se eu fosse o papa, não permitiria a volta desse grupo, justamente por ser contrário à ortodoxia católica. Vejam que existem grupos que contrariam o próprio pensamento cristão católico “ortodoxo” com argumentos ditos “ortodoxos”, achando que são mais “ortodoxos” que os outros. Percebam que é uma briga besta, eles abrrogam para si a ortodoxia, mas fazem de uma maneira sectária, ou melhor dizendo: cismática. Creio que esse cisma só será curado se houver aceitação, colegialidade, abertura e obediência ao papa. No vídeo, o superior geral D. Fellay diz que depende só do papa a volta para a comunhão plena. Ora, todo católico que lê o catecismo sabe que o papa não governa sozinho a Igreja, existe uma colegialidade com os bispos.
Vejamos outro exemplo daqueles que mais criticam o termo “ortodoxia” que são os adeptos da teologia da libertação. Esse pessoal, inclusive teólogos que ainda evocam a condenada teologia da “libertação”, repudiam qualquer manifestação ortodoxa, considerando ser algo “opressor”, “elitizado”, “capitalista”. Pois bem, eu confesso que nunca encontrei gente mais autoritária, mais dogmatista, mais fechada do que essa. No seminário a coisa era feia, lembro que aqueles que defendiam a TL até o sangue e que discursavam sobre a pobreza, eram os mais avarentos, os primeiros a defender os pobres, mas também os primeiros a ter computador e celular de última geração. O testemunho contraditório desse pessoal me levou a crer que é possível viver a pobreza, optar pelos pobres e lutar contra as injustiças, sem a TL, sem Leonardo Boff, sem Frei Betto, mas simplesmente olhando a vida dos santos. É possível viver o evangelho sem teologia! Quem disse que é necessária uma teologia da libertação para viver o evangelho?
Eu gostaria de elencar alguns pontos para encontrarmos a ortodoxia.
Valorização do catecismo da Igreja
Muitos ainda desconhecem o catecismo da Igreja, que é fonte de ortodoxia, pois ele foi feito “na” ortodoxia. É um eficaz meio para o aprofundamento da fé.
Correta interpretação do Concílio Vaticano II
Vejo que um grande erro foi interpretar o CVII com uma hermenêutica da descontinuidade. É preciso interpretar o concílio por meio de uma hermenêutica da continuidade, levando em consideração os outros concílios. O que acontece é que o concílio é interpretado como se fosse um novo concílio, como se tudo fosse novidade. É preciso tê-lo como novidade sim, porém, na continuidade e não na ruptura.
Liturgia renovada pelo CVII
Transcrevo as palavras do Papa Bento XVI sobre a liturgia do livro “Luz do mundo”: “Esse é um assunto vasto. Quer dizer que não devemos celebrar a liturgia à imagem e semelhança da paróquia, dizendo que é importante que cada um participe pessoalmente, e depois, no fim, só o próprio “eu” importe realmente. Trata-se muito mais de entrarmos em algo muito maior. Trata-se, de algum modo, de podermos sair de nós próprios e mergulhar na imensidão. É por isso que é tão importante que a liturgia não seja, de modo algum, uma criação de cada um. A liturgia é, na verdade, um processo através do qual nos deixamos introduzir na fé e na oração profundas da Igreja. É por essa razão que os primeiros cristãos rezavam virados para o Oriente, para o nascer do Sol, o símbolo do Cristo que regressa. Eles queriam com isso mostrar que o mundo inteiro vai ao encontro de Cristo e que Ele abraça totalmente esse mundo. Essa relação com o Céu e a Terra é muito importante. Não é por acaso que as igrejas antigas eram construídas assim, de forma a deixar que a luz do Sol penetrasse num momento muito específico na igreja. Precisamente hoje, que temos de novo consciência do significado da interdependência entre a Terra e o universo, deveríamos voltar a reconhecer o caráter cósmico da liturgia. Bem como o histórico. Deveríamos reconhecer que ela não foi só inventada, algures no tempo e por uma pessoa qualquer, mas que se desenvolveu organicamente desde Abraão. Esses elementos provenientes dos tempos mais antigos estão na liturgia. Em termos concretos, a liturgia renovada pelo Concílio Vaticano II é a forma válida de a Igreja celebrar hoje a liturgia. Quis melhorar o acesso à forma anterior sobretudo para manter a coesão interior da História da Igreja. Não podemos dizer que antes estava tudo errado e agora está tudo certo, porque, numa comunidade na qual a oração e a eucaristia são o mais importante, não pode ser totalmente errado o que antes era o mais sagrado. Para mim, o importante era a reconciliação interior com o próprio passado, a continuidade interior da fé e da oração da Igreja.”
Capacidade de diálogo
É necessário dialogar com a diversidade. É por meio do diálogo que saberemos se somos ortodoxos ou não. Ser ortodoxo não significa impor uma verdade absoluta sem razões. O papa nunca afirma verdades sem antes dar razões, sem antes as fundamentar. É preciso dar razões de nossa fé, de nossa esperança, e isso acontece quando nos aprofundamos na fé da Igreja. Ser ortodoxo é também ter a capacidade de ceder, de ser maleável, sem perder o fundamental, sem perder a verdade.
Creio que a busca pela ortodoxia já foi encontrada. Nós somente trilhamos o caminho que outros já trilharam antes de nós. Fazemos isso apoiados neles, nos santos, nos homens e mulheres que souberam dar razões, souberam testemunhar a verdade sem perder a caridade. Vejo que seremos ortodoxos se formos católicos, se tivermos personalidade católica e então a ortodoxia será um antídoto contra a heterodoxia que se alastra pela igreja.
Pe. Leandro Bernardes
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