quinta-feira, 28 de abril de 2011

Karol Wojtyla (João Paulo II) no Concílio Vaticano II

Antecedentes Romanos

Karol Wojtyla (18.05.1920 – 02.04.2005) não se ausentava da Polónia, desde 1948, altura em que regressara de Roma, concluídos os seus estudos e o doutoramento na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, conhecida por Angélicum. Durante a sua permanência como estudante em Roma, a figura principal da Faculdade de Teologia do Angélicum era o padre Reginald Garrigou-Lagrange (OP) (1877–1964), indiscutível mestre do neo-escolasticismo tradicional, exigente na sua filosofa e na sua teologia dogmática, participando das acesas controvérsias teológicas que deram origem à encíclica Humani Generis (12.08.1950) de Pio XII (1939-1958).

Garrigou-Lagrange interessava-se também pela mística, especialmente em São João da Cruz. Preocupado com a situação da Igreja no pós-guerra, tentou desenvolver uma nova espiritualidade sacerdotal para uma Europa pós-cristã. O padre Garrigou-Lagrange foi o orientador da tese de doutoramento de Karol Wojtyla, pela qual investigou o entendimento da Fé em São João da Cruz, intitulando-se Doctrina de fide apud S. Joannem a Cruce, ou seja, A Doutrina da Fé segundo São João da Cruz.

Na sua permanência em Roma, Wojtyla também viveu dois anos no Colégio Universitário Belga, onde o ambiente intelectual era ativo, repleto de argumentos sobre a “nouvelle theologie”, associada aos dominicanos Marie-Dominique Chenu (1895-1990) e Yves Congar (1904-1995) e aos Jesuitas Jean Danielou (1905–1974) e Henri de Lubac (1896-1991), os quais mais tarde deram um importante contributo ao Concilio Vaticano II.

Durante o verão de 1947, com a ajuda financeira do Cardeal Sapieha, Wojtyla e o seu amigo Starowieysti viajaram pela Europa: Paris, onde contactaram com os padres operários; Holanda, onde durante, dez dias, admiraram o vigor de comunidade eclesiais extremamente vivas e missionárias; Bélgica, onde durante um mês Wojtyla assumiu uma missão junto dos mineiros católicos, nas proximidades de Charleroi. No regresso a Roma passaram por Ars, recordando aí a vida exemplar do Santo Cura João Maria Vianney.

O Concílio, Experiência Única

Quando o Papa João XXIII (1958-1963) surpreendeu a Igreja e o mundo, no dia 25 de janeiro de 1959, ao anunciar a sua intenção de convocar um concilio ecuménico, Karol Józef Wojtyla era Bispo, titular de Ombi e Vigário Capitular de Cracóvia. Tinha sido consagrado Bispo aos 38 anos, no dia 28 de setembro de 1959, festa de São Vencaslou, patrono da Polónia.

Karol Wojtyla participou em todas as sessões do Concilio Vaticano II e referindo-se posteriormente à sua participação conciliar, sublinhava a grande «dívida» que tinha para com o Vaticano II, pois assumia um «significado único e irrepetível para aqueles que nela tomaram parte».

O Concilio Vaticano II proporcionou a Karol Wojtyla uma nova oportunidade de fazer a experiencia concreta da universalidade da Igreja.

Vindo duma nação eslava que se preparava para celebrar o milénio do seu batismo, viajava para Roma todos os Outonos para as sessões do Concílio que duravam dois meses.

Aí, encontrava-se com Bispos de todo o mundo, alguns dos quais oriundos de Igrejas com apenas cem anos e que debatiam com vigor e perspicácia o futuro do catolicismo.

Karol Wojtyla, vinculado incondicionalmente ao Romano Pontífice e à Cúria Romana, mantinha uma distância crítica face à tentação de ver só «Roma» como a Igreja.

A sua responsabilidade primordial mantinha-se em Cracóvia, Igreja Local de que era pastor. Por isso aproveitou a sua presença regular em Roma durante os quatro Outonos do Concilio para tratar de alguns assuntos referentes à Igreja da sua pátria, como beatificação do Irmão Alberto e da Irmã Faustina Kowalska.

A sua preparação para o Concílio

O bispo Wojtyla tinha respondido, em junho de 1959, à Comissão Pré-Preparatória do Concilio. Na sua resposta, introduziu questões: Qual é, perguntou, a condição humana nos nosso dias? O que esperam da Igreja os homens e as mulheres desta era?

A principal questão de todos os tempos, segundo ele, era a pessoa humana. Ao fim de dois mil anos de cristianismo, o mundo tinha uma pergunta a fazer à Igreja: «O que era o humanismo cristão e o que o distinguia de todos os outros humanismo presentes na modernidade atual? Qual seria a resposta da Igreja ao crescente desespero da modernidade [face] a cada e a toda a existência humana?».

Mais tarde, no Concílio, Wojtyla haveria de sugerir que sempre que o Padre se envolvia com o mundo da cultura ou do trabalho, teria de apresentar «o sagrado de modo adequado aos homens de hoje». Por isso, se requeria que os seminários não fossem «simplesmente escolas profissionais, mas sim verdadeiras academias» que preparassem os Padres para a missão de trabalharem com um crescente e bem instruído número de leigos.

Em outono de 1962, na primeira sessão do Vaticano II, o Bispo Wojtyla veio a participar numa controvérsia teológica sobre como deveria a Igreja entender a relação entre as fontes da revelação divina, ou seja, as Escrituras e a Tradição. Tratava-se de um tema com repercussões ecuménicas, pois segundo a reforma clássica, somente a Escritura é lugar da revelação de Deus. Wojtyla acentuou a autorrevelação de Deus nas Escrituras e na Tradição, pois o próprio Deus é a única fonte de revelação. Deste modo, aplicava-se o seu personalismo ao entendimento de Deus e à relação de Deus com o mundo.

Intervenção Conciliar

No dia 11 de outubro de 1962, devido à sua juventude e ao ministério eclesiástico que assumia, o Bispo titular de Ombi e Vigário Capitular de Cracóvia participou na abertura do Concilio Vaticano II, presidido por João XXIII, num lugar próximo da porta da Basílica de São Pedro, a 150 metros do altar-mor.

Quando na primeira sessão, os Padres Conciliares debateram a renovação da liturgia, Wojtyla fez uma breve intervenção que refletia a sua própria experiência pastoral. Segundo ele, o Ritual do Batismo revisto, devia insistir na obrigação dos pais e padrinhos instruírem a criança na fé.

No debate sobre a natureza e missão da Igreja, Wojtyla fez uma intervenção escrita, no qual propunha também que fosse dada uma noção de maior visibilidade à vocação laical.

Em consonância com a proposta do episcopado polaco, pediu que houvesse um documento conciliar referindo explicitamente a Virgem Maria. O Concilio rejeitou a proposta polaca, devido a razões teológicas e ecuménicas, incorporando a declaração sobre a Virgem Maria na Constituição Dogmática sobre a Igreja.

Na segunda sessão do Concilio, outono de 1963, Wojtyla interveio no debate sobre a Igreja como «Povo de Deus», sugerindo que esta imagem fosse descrita de forma sacramental, em analogia com a Encarnação de Cristo.

Defendeu também na segunda sessão que a causa final da Igreja era a Santidade. Assim, todos os batizados tinham uma vocação para a santidade, a qual não estava reservada aos religiosos e à hierarquia, mas a todos, a quem Cristo «santificou na verdade» para que pudessem ser «enviados … ao mundo» (Jo. 17, 18-19). Para Wojtyla, a santidade, à qual todos fomos chamados, é «uma partilha sublime na própria Santidade da Santíssima Trindade».

Na terceira e na quarta sessões, Karol Wojtyla participou não como Bispo Auxiliar jovem, mas como Arcebispo de Cracóvia.

Na terceira sessão, em outono de 1964, Wojtyla fez uma intervenção escrita, em nome do Episcopado polaco, referindo-se ao lugar que a virgem Maria deveria assumir na Constituição Dogmática sobre a Igreja. Não deveria figurar no último capítulo da Constituição, mas surgir de imediato ao primeiro capítulo, sobre «Mistério da Igreja». Como a virgem Maria alimentou o seu filho, deveria agora alimentar o Corpo Místico de Cristo.

Ainda na terceira sessão, o Arcebispo de Cracóvia foi quase forçado a intervir no debate sobre uma proposta de Decreto acerca do Apostolado dos Leigos. Para ele, a dignidade de todos os cristãos tinha a sua origem no Batismo e não no facto da sua participação em movimentos apostólicos, associações, irmandades, confrarias, entre outras. Neste sentido, recomendou um diálogo dentro da Igreja, entre clero e leigos.

Numa intervenção escrita, sobre a proposta do mesmo decreto, Wojtyla defendeu que a questão de um apostolado revalorizado para os leigos, não consistia em transforma-los em quase clérigos, mas em redescobrir a sua identidade missionária radicada nos sacramentos da iniciação cristã, fazendo deles autênticos e válidos apóstolos na diversidade do mundo, como a cultura, a empresa, a escola, a política, a comunicação social, o trabalho, pois a sua especificidade reside na secularidade,

Wojtyla participou também no controverso debate sobre a liberdade religiosa, através de uma intervenção oral e duas intervenções escritas, contribuindo com a sua experiência polaca, de país inserido no condicionalismo comunista.

A contribuição mais importante dada pelo Arcebispo de Cracóvia ao Concilio Vaticano II foi a sua envolvência na elaboração da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno, o esquema XIII como foi chamado durante as primeiras três sessões do concilio. O referido esquema foi projetado pelo Papa João XXIII e por dois dos seus principais promotores, o Cardeal Leo-Josef Suenens (1904-1996), da Bélgica, um dos quatro moderadores do Concilio e o Cardeal Giovanni Battista Montini (26.09.1897-06.08.1978), de Milão, futuro Papa VI (1963-1978). O esquema surgiu entre a primeira e a segunda sessão do Concilio, procurando demonstrar que a Igreja vivia no mundo e desejava ter no seu coração lugar para as alegrias e esperanças, dores e sofrimentos de toda a humanidade.

Na altura em que a terceira sessão do Concilio se encontrava na sua quarta semana, em outubro de 1964, alguns membros influentes da Cúria Romana tentavam que o esquema XIII fosse retirado por completo da agenda do Concilio. Era necessário aproximar a Igreja do mundo moderno e ultrapassar a mentalidade de alguns eclesiásticos com as suas «lamentações sobre o estado miserável do mundo». A Igreja tinha uma proposta a fazer ao mundo moderno e devia anuncia-la com racionalidade e não com moralizações e exortações.

Na quarta e última sessão do Concilio, iniciado no dia 14 de setembro de 1965, começou a elaboração de um outro projeto do esquema XIII. Este último projeto de trabalho constitui os alicerces da Gaudium et Spes e foi elaborado em três longas sessões no inicio de 1965 por uma subcomissão. O Arcebispo Wojtyla participou ativamente em todas as três reuniões, no subgrupo onde se encontravam o Arcebispo Gabriel-Marie Garrone (1901-1994), o teólogo dominicano Yves Congar e os jesuítas Henri De Lubac e Jean Damielou.

O debate sobre a Gaudium et Spes teve início na quarta-feira, dia 22 de setembro de 1965. No dia 28 de setembro, terça-feira, o Arcebispo de Carcóvia proferiu o que alguns consideram o discurso mais memorável do Concilio, fazendo notar que a nova constituição pastoral era «mais uma meditação» do que a declaração de uma doutrina. A sua preocupação principal era a pessoa humana, considerada individualmente, na comunidade e no «plano de todas a criação».

O Concilio Vaticano II foi um amplo “pós-doutoramento” que marcou indelevelmente toda a vida daquele que veio a ser o Bem-aventurado João Paulo II.

Senra Coelho (ISTE, CEHR-UCP)

Fonte: www.agencia.ecclesia.pt

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Encontro de blogueiros no Vaticano será “oportunidade para saber o que a Igreja espera”

ROMA, 25 Abr. 11 / 05:41 pm (ACI)

Jorge Enrique Mújica, uns dos blogueiros que participará no próximo 2 de maio no chamado “Vatican Meeting Blog” explicou à Agência ACI Prensa em espanhol que esta reunião é “uma magnífica oportunidade para saber o que a Igreja espera da comunidade de blogueiros”.

O Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais publicou no dia 16 de abril a lista de 150 convidados que participarão do encontro. O Vaticano recebeu 750 solicitudes para comparecer ao evento.

Em declarações à ACI Prensa, Mújica do blog Actualidadyanalisis.blogspot.com, destacou que o congresso se realiza “um dia depois da beatificação de João Paulo II a quem devemos as primeiras orientações do magistério sobre a internet -Bento foi o primeiro que falou sobre as redes sociais-. Neste sentido, é um especial motivo de alegria reunir-nos em Roma sob o patrocínio do Papa da comunicação”.

Ele recordou que este congresso “ocorre depois de que em novembro de 2010 fosse realizado o de imprensa digital católica, onde emergiu a necessidade de diálogo eclesiástico também com bloggers” e acrescentou que com esta nova iniciativa “aprecia-se o gesto de proximidade e pronta atenção por parte da Igreja a esta comunidade específica”.

A reunião servirá para conhecer outros companheiros, “compartilhar inquietudes e modos de eventual trabalho em conjunto, da diversidade e especificidade de cada blog”, para contribuir à Nova Evangelização, indicou.

Mújica entende este encontro como “um desafio”, pois “cada blog aborda diversas temáticas: alguns estão alojados e contam com o financiamento de grandes empresas, outros são independentes e de uma qualidade técnica e de conteúdo indiscutível, enquanto que outros têm uma apresentação e qualidade mais discreta”, acrescentou.

O blog de Mújica está dirigido a “falar da relação às vezes conflitiva entre imprensa e religião, entre meios de comunicação e Igreja”.

O promotor do encontro, e responsável pelo Departamento “Comunicação e linguagens” do Dicastério de Cultura da Cúria Romana, Richard Rouse, explicou em um comunicado que buscou-se assegurar uma presença diversificada na seleção dos bloggers.

Por outro lado, Rouse esclareceu que o fato de ter sido selecionado não implicará nenhuma aprovação dos conteúdos dos blogs por parte do Vaticano, e no caso contrário, a não-seleção tampouco significaria sua desaprovação.

Verdadeiramente este era o Filho de Deus! - Fr. Raniero Cantalamessa

2011-04-22- Prédica de Sexta-feira Santa 2011 na Basílica de São Pedro

Na sua paixão - escreve São Paulo a Timóteo - Jesus Cristo "deu o seu testemunho fazendo sua bela profissão" (1 Tm 6, 13). Nós nos perguntamos, testemunho de quê? Não da verdade de sua vida e da sua causa. Muitos morreram, e ainda hoje morrem, por uma causa equivocada, acreditando que seja justa. A ressurreição, esta sim testemunha a verdade de Cristo: "Deus deu a todos prova segura sobre Jesus, ressuscitando-o dos mortos", diz o apóstolo, no Areópago de Atenas (At 17, 31).

A morte não testemunha a verdade, mas o amor de Cristo. De tal amor se constitui, de fato, a prova suprema: "Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15, 13). Pode-se objetar que há um amor maior do que dar a vida por seus amigos, é dar sua vida pelos seus inimigos. Mas foi isso precisamente que Jesus fez: "Cristo morreu pelos ímpios – escreve o apóstolo na Carta aos Romanos –. A rigor, alguém morreria por um justo; por uma pessoa muito boa talvez alguém se anime a morrer. Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós" (Ro 5, 6-8). "Amou-nos quando éramos inimigos, para poder nos tornar amigos"[1].

Uma cerca unilateral "teologia da cruz" pode fazer-nos esquecer o essencial. A cruz não é só juízo de Deus sobre o mundo, refutação de sua sabedoria e revelação de seu pecado. Não não é NÃO de Deus ao mundo, mas o seu SIM de amor: "A injustiça, o mal como realidade não pode ser simplesmente ignorado, deixado como está. Deve ser eliminado, vencido. Apenas esta é a verdadeira misericórdia. E que agora, já que os homens não são capazes de fazê-lo, Deus mesmo o faz – esta é a bondade incondicional de Deus"[2].

Mas como ter a coragem de falar do amor de Deus, enquanto temos diante dos olhos tantas tragédias humanas, como a catástrofe que se abateu sobre o Japão, ou as mortes no mar nas últimas semanas? Não fale de tudo? Mas permanecer em completo silêncio seria trair a fé e ignorar o significado do mistério que celebramos.

Há uma verdade a se proclamar com força na Sexta-feira Santa. Aquele que contemplamos sobre a cruz é Deus "in persona". Sim, é também o homem Jesus de Nazaré, mas esta é uma pessoa com o Filho do Pai Eterno. Até que não se reconheça e leve a sério o dogma fundamental da fé cristã – o primeiro definido dogmaticamente em em Niceia – que Jesus Cristo é o Filho de Deus, o próprio Deus, da mesma substância do Pai, a dor humana permanecerá sem resposta.

Não se pode dizer que "a questão de Jó permanece sem resposta", que nem mesmo a fé cristã teria uma resposta ao sofrimento humano, se de saída se recusa a resposta que essa afirma ter. O que se faz para assegurar a alguém que certa bebida não contém veneno? Bebe-se antes dele, na frente dele! Assim fez Deus com os homens. Ele bebeu o amargo cálice da paixão. Não pode ser assim tão envenenado o sofrimento humano, não pode ser apenas negatividade, perda, absurdo, se o próprio Deus escolheu prová-lo. No fundo do cálice deve haver uma pérola.

O nome da pérola nós conhecemos: Ressurreição! "Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada" (Rm 8, 18), e ainda "Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição" (Ap 21, 4).

Se a corrida da sua vida acaba aqui, seria muito desesperador pensar nos milhões, talvez bilhões, de seres humanos que iniciam em desvantagem, mergulhados na pobreza e no subdesenvolvimento desde o ponto de partida, até mesmo sem poder participar corrida. Mas não é assim. A morte não só elimina as diferenças, mas as derruba. "Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado" no inferno (cf. Lc 16, 22-23).

Não podemos aplicar de forma simplista este esquema à realidade social, mas ele está lá para nos alertar que a fé na ressurreição não deixa que ninguém em seu silencioso viver. Lembra-nos que a máxima "viver e deixar viver" nunca deve se tornar a máxima "viver e deixar morrer".

A resposta da cruz não é apenas para nós, cristãos, é para todos, porque o Filho de Deus morreu por todos. Há no mistério da redenção um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo; é o fato em si, e a tomada de consciência e resposta de fé a ele. O primeiro se estende para além do segundo. "O Espírito Santo - diz o texto do Concílio Vaticano II - de um modo conhecido por Deus, dá a todos a oportunidade de estar associados ao mistério pascal"[3].

Um dos modos de estar envolvido no mistério pascal é próprio do sofrimento: "Sofrer – escreveu João Paulo II na sequência do atentado que sofreu e da longa convalescença – significa tornar-se particularmente receptivo, particularmente aberto à ação das forças salvíficas de Deus, oferecidas em Cristo à humanidade"[4]. O sofrimento, cada sofrimento, mas especialmente o dos inocentes, põe em contato de modo misterioso, ‘conhecido só a Deus’, com a cruz de Cristo.

Depois de Jesus, aqueles que têm dado a ele o seu belo testemunho e que têm bebido do cálice são os mártires! As histórias de suas mortes eram intituladas inicialmente "passio", paixão, como o sofrimento de Jesus que acabamos de escutar. O mundo cristão volta a ser visitado pela prova do martírio, que se acreditava finda com a queda dos regimes totalitários ateus. Não podemos silenciar perante este testemunho. Os primeiros cristãos honravam seus mártires. Os atos de seus martírios eram lidos e distribuídos entre as igrejas com grande respeito. Hoje mesmo, Sexta-feira Santa de 2011, em um grande país asiático, os cristãos oraram e marcharam em silêncio pelas ruas de algumas cidades para protestar contra a ameaça que paira sobre eles.

Há uma coisa que distingue os atos autênticos dos mártires dos legendários, verificada depois que finda a perseguição. Nos primeiros, quase não há vestígios de polêmica contra os perseguidores, toda a atenção é concentrada no heroísmo dos mártires, não sobre a perversidade dos juízes e carrascos. São Cipriano ordenaria aos seus dar 25 moedas de ouro para o carrasco que cortaria a cabeça. Eles são discípulos de alguém que morreu dizendo: "Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem". "O sangue de Jesus – recorda o Santo Padre em seu último livro – fala uma linguagem diferente da do sangue de Abel: não pede vingança nem punição, mas é reconciliação[5].

Também o mundo se inclina diante dos testemunhos modernos da fé. Isso se explica por exemplo pelo sucesso inesperado na França do filme "Homens e Deuses", que conta a história de sete monges cistercienses assassinados em Tibhirine em março de 1996. E como não ficar admirados com as palavras escritas em seu testamento por um político católico, Shahbaz Bhatti, assassinado por causa de sua fé no mês passado? Sue testamento é deixado também para nós, seus irmãos na fé, e seria ingratidão deixá-lo cair no esquecimento.

"Foram-me propostos – escrevia ele – altos cargos no governo e me pediram para abandonar a minha batalha, mas eu sempre recusei isso, mesmo sob o risco da minha própria vida. Eu não quero popularidade, não quero posições de poder. Eu só quero um lugar aos pés de Jesus. Quero que a minha vida, o meu caráter, as minhas ações falem por mim e digam que estou seguindo Jesus Cristo. Esse desejo é tão forte em mim que eu me considerarei privilegiado se, no meu esforço e na minha luta para ajudar os necessitados, os pobres, os cristãos perseguidos de meu país, Jesus quisesse aceitar o sacrifício da minha vida. Eu quero viver para Cristo e por Ele quero morrer."

Parece ressoar o mártir Inácio de Antioquia, quando veio a Roma e sofreu o martírio. O silêncio das vítimas não justifica a culpável indiferença do mundo para com seu destino. "O justo perece sem que ninguém se aperceba; as pessoas de bem são arrebatadas e ninguém se importa (Is 57,1)"!

Os mártires cristãos não são os únicos sozinhos, temos visto, a sofrer e morrer ao nosso redor. O que podemos oferecer aos que não crêem, além da certeza da nossa fé de que há um resgate para a dor? Podemos sofrer com os que sofrem, chorar com os que choram (Rm 12, 15). Antes de anunciar a ressurreição e a vida, na frente das irmãs enlutadas de Lázaro, Jesus chorou (Jo 11, 35).

Neste momento, sofrer e chorar em particular com o povo japonês, imerso em uma das mais terríveis catástrofes naturais da história. Podemos dizer a esses nossos irmãos em humanidade que estamos admirados por sua dignidade e exemplo de postura e ajuda mútua que deram ao mundo.

A globalização tem ao menos este efeito positivo: a dor de um povo se torna a dor de todos, suscita a solidariedade de todos. Dá-nos a chance de descobrir que somos uma família humana, ligada no bem e no mal. Ajuda-nos a superar as barreiras de raça, cor e religião. Como diz o verso de um de nossos poetas, "Homens, paz! Na extensa terra, grande é o mistério"[6].

Mas devemos também recolher o ensinamento de eventos como este. Terremotos, furacões e outros desastres que atingem inocentes e culpáveis nunca são um castigo de Deus. Dizer o contrário disso significa ofender a Deus e os homens. Mas servem de alerta: neste caso, a advertência de não se iludir que bastam a ciência e a técnica para se salvar. Se não formos capazes de estabelecer limites, podemos nos tornar, estamos vendo, a ameaça mais grave de todas.

Também houve um terremoto no momento da morte de Cristo: "O centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si, possuídos de grande temor: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!" (Mt 27, 54). Mas houve um outro ainda "maior" no momento de sua ressurreição: "E eis que houve um violento tremor de terra: um anjo do Senhor desceu do céu, rolou a pedra e sentou-se sobre ela" (Mt 28, 2).

Assim será sempre. A cada terremoto de morte sucederá um terremoto de ressurreição de vida. Alguém disse: "Agora só um deus pode nos salvar" ("Nur noch ein uns kann Gott retten"[7]). Temos a garantia de que o fará porque "de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único" (Jo 3, 16).

Notas originais em italiano:

[1] S. Agostino, Commento alla Prima Lettera di Giovanni 9,9 (PL 35, 2051).
[2] Cf. J. Ratzinger - Benedetto XVI, Gesù di Nazaret, II Parte, Libreria Editrice Vaticana 2011, pp. 151.

[3] Gaudium et spes, 22.
[4] Salvifici doloris, 23.
[5] J. Ratzinger - Benedetto XVI, op. cit. p.211.

Um amor feito de atos - A Relevância Social do Evangelho - Fr. Raniero Cantalamessa

2011-04-15- Quarta Prédica de Quaresma

1. O exercício da caridade

Na última meditação, aprendemos de Paulo que o amor cristão deve ser sincero; agora, aprendamos de João que ele deve ser também efetivo: "Se alguém possui bens deste mundo e vê seu irmão em necessidade, mas não tem piedade dele, como poderia o amor de Deus estar nele? Filhinhos, não amemos de palavra nem de língua, mas com obras e de verdade" (1Jo 3, 16-18). Encontramos o mesmo ensinamento, mais plástico, na Carta de Tiago: "Se um irmão ou irmã não têm roupa nem comida, e um de vós lhes dizeis ‘Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos’, mas não lhes dais o necessário ao corpo, de que adianta?" (Tg 2, 16).

Na comunidade primitiva de Jerusalém, esta exigência se traduz na partilha. Dizem que os primeiros cristãos "vendiam suas propriedades e bens e os dividiam com todos, conforme a necessidade de cada um" (At 2,45). Mas o que os movia não era um ideal de pobreza, e sim de caridade. O fim não era serem todos pobres, mas que não houvesse entre eles nenhum necessitado (At 4,34). A necessidade de traduzir o amor em gestos concretos de caridade também não é estranha ao apóstolo Paulo, que, como vimos, insiste tanto no amor do coração. Prova disso é a importância que ele dá às coletas em favor dos pobres, a que dedica dois capítulos inteiros da Segunda Carta aos Coríntios (cf. 2Cor 8-9).

A Igreja apostólica não faz mais do que imitar o ensinamento e o exemplo do Mestre, cuja compaixão pelos pobres, doentes e famintos nunca ficava no sentimento oco, mas se traduzia sempre em ajuda concreta. Aliás, ele fez desses atos concretos de caridade a matéria do juízo final (cf. Mt 25).

Os historiadores da Igreja vêem neste espírito de solidariedade fraterna um dos fatores principais da "missão e propagação do cristianismo nos primeiros três séculos" [1]. Isto se traduziu em iniciativas – e mais tarde em instituições – para o cuidado de doentes, apoio a viúvas e órfãos, ajuda aos presos, alimento para os pobres, assistência para os forasteiros... Este aspecto da caridade cristã, na história e hoje, é tratado na segunda parte da encíclica de Bento XVI "Deus caritas est" e, de modo permanente, pelo Pontifício Conselho "Cor Unum".

2. O emergir do problema social

A época moderna, em especial o século XIX, sofreu uma reviravolta na abordagem do problema social. Não basta responder caso por caso à necessidade dos pobres e dos oprimidos; é preciso agir sobre as estruturas que criam os pobres e os oprimidos. Que esse terreno é novo, pelo menos na tematização, fica claro pelo próprio título e pelas primeiras palavras da encíclica de Leão XIII "Rerum novarum", de 15 de maio de 1891: é com ela que a Igreja entra no debate como protagonista. Vale a pena reler o princípio da encíclica:

"A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito".

É nesta perspectiva que se posiciona a segunda encíclica do Santo Padre Bento XVI sobre a caridade: "Caritas in veritate". Eu não tenho nenhuma competência nesta matéria e, portanto, me abstenho de entrar no mérito dos conteúdos dela e das outras encíclicas sociais. O que eu gostaria de fazer aqui é ilustrar o substrato histórico e teológico, o "Sitz im Leben" desta nova forma do magistério eclesiástico: como e por que começaram as encíclicas sociais e como e por que novas encíclicas sociais são escritas periodicamente. Isto pode nos ajudar a descobrir coisas novas sobre o evangelho e sobre o amor cristão. São Gregório Magno diz que "a Escritura cresce com aqueles que a lêem" (cum legentibus crescit) [2], ou seja, ela sempre mostra novos significados conforme as perguntas que lhe fazemos, e isto se mostra particularmente verdadeiro neste âmbito do social.

A minha reconstituição será feita com breves pinceladas, como não poderia deixar de ser nestes poucos minutos, mas as sínteses e os resumos também têm a sua utilidade, ainda mais quando não temos a possibilidade de aprofundar pessoalmente em certos problemas, por causa da diversidade dos nossos compromissos.

Na época em que Leão XIII escreveu a sua encíclica social, havia três orientações dominantes quanto ao significado social do evangelho. A mais em voga era a interpretação socialista e marxista. Marx não tinha se ocupado com o cristianismo desse ponto de vista, mas alguns seguidores imediatos dele (Engels de um ponto de vista ainda ideológico e Karl Kautsky de um ponto de vista histórico) abordaram o problema, no âmbito da sua pesquisa sobre os "precursores do socialismo moderno".

As conclusões deles são as seguintes. O evangelho foi um grande anúncio social aos pobres; todo o resto, o seu revestimento religioso, é secundário, é uma "superestrutura". Jesus foi um grande reformador social, que quis remir as classes inferiores da miséria. O seu programa prevê a igualdade de todos os homens, o suprimento da necessidade econômica. A primitiva comunidade cristã viveu um comunismo ante litteram, de caráter ainda ingênuo e não científico: um comunismo mais no consumo do que na produção dos bens.

Depois, a historiografia soviética do regime rejeitaria essa interpretação, que, segundo eles, concedia papel demais ao cristianismo. Nos anos 60 do século passado, a interpretação revolucionária reapareceu, desta vez na política, com a tese de um Jesus chefe de um movimento "zelote" de libertação, mas teve vida curta nos nossos campos (o Santo Padre recorda esta interpretação no seu último livro sobre Jesus, falando da purificação do templo).

Quem chega a uma conclusão análoga à marxista, mas dentro de uma proposta muito diferente, é Nietzsche. Ele concorda com os marxistas quanto ao cristianismo ter nascido como um movimento das classes inferiores, mas o parecer dele é todo negativo: o evangelho encarna o "ressentimento" dos fracos contra as naturezas vigorosas; é a "inversão de todos os valores", um cortar as asas do decolar humano rumo à grandeza. Tudo o que Jesus se propusera seria difundir no mundo, em oposição à miséria terrena, um "reino dos céus".

Estas duas escolas – concordantes no modo de ver, mas opostas na conclusão – se vêem acompanhadas por uma terceira, que podemos chamar de conservadora. Jesus não teria se interessado pelos problemas sociais e econômicos; atribuir-lhe tais interesses seria diminuí-lo, mundanizá-lo. Ele citou o mundo do trabalho e se compadeceu de pobres e miseráveis, mas nunca visou a melhoria das condições da vida terrena.

3. A reflexão teológica: teologia liberal e dialética

Estas são as ideias dominantes na cultura daquele tempo, quando começa uma reflexão teológica por parte das igrejas cristãs. Ela também se desenvolve em três fases e apresenta três orientações: a da teologia liberal, a da teologia dialética e a do magistério católico.

A primeira resposta é a da teologia liberal do fim do século XIX e começo do XX, representada principalmente por Ernst Troeltsch e Adolph von Harnack. Vale a pena parar um pouco para olhar as ideias desta escola, porque muitas das suas conclusões, pelo menos neste campo específico, são as mesmas do magistério social da Igreja, embora por outros caminhos. Elas são ainda hoje atuais e compartilháveis.

Troeltsch contesta o ponto de partida da interpretação marxista, segundo a qual o fator religioso é sempre secundário em comparação com o fator econômico, uma simples superestrutura. Estudando a ética protestante e o início do capitalismo, ele demonstra que, se o fator econômico influi no religioso, também é verdade o contrário. São dois âmbitos diferentes, não subordinados um ao outro.

Harnack, por sua vez, observa que o evangelho não nos dá um programa social voltado a combater e abolir a necessidade e a pobreza, não dá pareceres sobre a organização do trabalho e sobre outros aspectos importantes hoje, como a arte e a ciência. Mas acrescenta que é muito melhor assim. Teria sido péssimo se o evangelho tivesse ditado regras sobre as relações entre as classes, as condições de trabalho, e assim por diante. Para serem concretas, essas regras teriam nascido fatalmente ligadas às condições do mundo da época (como é o caso de muitas instituições e preceitos sociais do Antigo Testamento), e, portanto, ficariam logo anacrônicas e inúteis para o evangelho. A história, também a do cristianismo, mostra como é perigoso ligar-se a contextos sociais e instituições políticas de uma certa época e como é difícil desamarrar-se deles depois.

"Mas", prossegue Harnack, "não há outro exemplo de religião surgida com verbo social tão poderoso como a religião do evangelho. E por quê? Porque as palavras ‘ama o próximo como a ti mesmo’ são aqui realmente levadas a sério, porque com estas palavras Jesus iluminou toda a realidade da vida, todo o mundo da fome e da miséria... Substitui um socialismo fundado em interesses antagônicos por um socialismo que se fundamenta na consciência de uma unidade espiritual... A máxima do ‘livre jogo das forças’, do ‘viver e deixar viver’ – seria melhor dizer ‘viver e deixar morrer’ – é abertamente oposta ao evangelho" [3].

A posição da mensagem evangélica se opõe, então, tanto à redução do evangelho a proclamação social e luta de classes quanto à posição do liberalismo econômico do livre jogo das forças. O teólogo evangélico se deixa conduzir por um certo entusiasmo: "Um espetáculo novo", escreve ele, "se apresentava ao mundo: até então, a religião se adaptava facilmente ao statu quo do mundo, ou se acampava nas nuvens, em direta oposição a tudo. Mas agora ela tinha um novo dever a cumprir: combater a necessidade e a miséria desta terra, e, similarmente, a terrena prosperidade, reduzindo misérias e necessidades de todo tipo; elevar a vista ao céu na coragem que vem da fé, e trabalhar com o coração, com as mãos e com a voz pelos irmãos desta terra" [4].

O que a teologia dialética, sucessora da liberal após a primeira guerra mundial, reprova nesta visão liberal? Antes de tudo, o seu ponto de partida, a sua ideia do reino dos céus. Para os liberais, isso é de natureza essencialmente ética; um sublime ideal moral, que tem como fundamentos a paternidade de Deus e o valor infinito de toda alma; para os teólogos dialéticos (K. Barth, R. Bultmann, M. Dibelius), isso é de natureza escatológica; é uma intervenção soberana e gratuita de Deus, que não se propõe mudar o mundo, mas denunciar a sua situação atual ("crítica radical"), anunciar o seu fim iminente ("escatologia consequente") e lançar o apelo à conversão ("imperativo radical").

O caráter de atualidade do evangelho consiste no fato de que "tudo o que é exigido não é exigido em geral, por todos e para todos os tempos, mas por este homem e talvez só por ele, neste momento e talvez só para este momento; e é exigido não com base num princípio ético, mas por causa da situação de decisões em que Deus colocou esse homem, e talvez somente a ele, no aqui e agora" [5]. A influência do evangelho no social se dá no singular, no indivíduo, não através da comunidade ou da instituição eclesial.

A situação enfrentada hoje por quem acredita em Cristo é a mesma que foi criada pela revolução industrial, com as mudanças que ela trouxe ao ritmo da vida e do trabalho, com o consequente desprezo pela pessoa humana. Diante dela, não há "soluções cristãs"; cada crente é chamado a responder com a própria responsabilidade, em obediência ao apelo que Deus lhe faz na situação concreta em que ele vive, mesmo se o critério de fundo é o preceito do amor ao próximo. O cristão não deve se resignar com pessimismo às situações, mas também não deve se iludir com a mudança do mundo.

Pode-se falar ainda, nesta perspectiva, de uma relevância social do evangelho? Sim, mas só de método, não de conteúdo. Explico: esta visão reduz o significado social do evangelho a um significado "formal", excluindo todo significado "real" ou de conteúdo. Em outras palavras, o evangelho apresenta o método, o impulso, para um correto posicionamento e um reto agir cristão no social.

Este é o ponto fraco desta visão. Por que atribuir aos relatos e às parábolas evangélicas um significado somente formal e não também um significado real e exemplar? É lícito, por exemplo, na parábola do rico epulão, ignorarmos as indicações concretas e claras sobre o uso e abuso da riqueza, o luxo, o desprezo pelo pobre, para nos atermos apenas ao "imperativo do agora" que ressoa na parábola? Não é estranho que Jesus pretendesse apenas dizer que ali, diante dele, era preciso decidir-se por Deus e, para dizer isso, ele tivesse construído um relato tão complexo e detalhado que, em vez de concentrar, só desviaria a atenção do centro de interesse?

Uma solução assim, que dissolve a mensagem de Cristo, parte da premissa errada de que não existem exigências comuns na palavra de Deus, que se impõem ao rico de hoje como se impunham ao rico – e ao pobre – do tempo de Jesus. Como se a decisão pedida por Deus fosse algo vazio e abstrato, um mero decidir-se, e não um decidir-se a respeito de algo. Todas as parábolas de fundo social são definidas como "parábolas do reino" e assim o seu conteúdo é achatado num único significado, o escatológico.

4. A doutrina social da Igreja

A doutrina social da Igreja católica, como sempre, procura mais a síntese do que a contraposição, o método do et-et em vez do aut-aut. Ela mantém a "dupla iluminação" do evangelho: a escatológica e a moral. Em outras palavras: concorda com a teologia dialética no fato de o reino de Deus pregado por Cristo não ser de natureza essencialmente ética, isto é, um ideal inspirado na validade universal e na perfeição dos seus princípios, mas sim uma iniciativa nova e gratuita de Deus, que, com Cristo, irrompe do alto.

Ela se afasta, porém, da visão dialética no modo de conceber a relação entre esse reino de Deus e o mundo. Entre eles não existe só oposição e inconciliabilidade, como não existe oposição entre a obra da criação e a da redenção, nem entre ágape e eros. Jesus comparou o reino de Deus com o fermento na massa, com a semente lançada à terra, com o sal que dá sabor; ele diz que não veio julgar o mundo, mas salvá-lo. Isto nos mostra o influxo do evangelho no social a partir de uma perspectiva diferente e muito mais positiva.

Apesar de todas as diferenças de posicionamento, há conclusões comuns que emergem de toda a reflexão teológica sobre a relação entre o evangelho e o social. Podemos resumi-las assim: o evangelho não aponta soluções diretamente voltadas aos problemas sociais (vimos que seria péssimo se tivesse apontado); mas ele contém princípios que se prestam a elaborar respostas concretas para diversas situações históricas. Já que as situações e problemas sociais mudam de época em época, o cristão é chamado cada vez a encarnar os princípios do evangelho na situação do momento.

A contribuição das encíclicas sociais dos papas é precisamente esta. Por isso elas se subseguem, cada uma retomando o discurso do ponto até o qual chegaram as precedentes (no caso da encíclica de Bento XVI, o ponto é retomado da "Populorum progressio", de Paulo VI), e o atualizam com base nas novas instâncias da sociedade (neste caso, o fenômeno da globalização) e também com base numa interrogação sempre nova da palavra de Deus.

O título da encíclica social de Bento XVI, "Caritas in veritate", indica quais são, aqui, os fundamentos bíblicos sobre os quais se pretende amparar o discurso sobre o significado social do evangelho: a caridade e a verdade. "A verdade", escreve, "preserva e exprime a força de libertação da caridade nas vicissitudes sempre novas da história […]. Sem a verdade, sem confiança e amor à verdade, não há consciência nem responsabilidade social, e o agir social se deturpa em favor de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, ainda mais numa sociedade em vias de globalização, em momentos difíceis como os atuais" [6].

A diversidade não está só nas coisas ditas e nas soluções propostas, mas também no modelo adotado e na autoridade da proposta. Consiste, em outras palavras, na passagem da livre discussão teológica para o magistério, e de uma intervenção social de natureza exclusivamente "individual" (coma a proposta pela teologia dialética) para uma intervenção comunitária, como Igreja e não só como indivíduos.

5. A nossa parte

Encerremos com um ponto prático que interpela todos nós, inclusive os que são chamados a agir diretamente no âmbito social. Vimos a ideia que Nietzsche tinha da relevância social do evangelho. O evangelho, para Nietzsche, era o fruto de uma revolução, mas uma revolução negativa, uma involução em comparação com o legado grego; era a revanche dos fracos contra os fortes. Um dos pontos que Nietzsche mais ressaltava era a preferência dada ao servir no lugar do dominar, ao tornar-se pequenos em vez de querer emergir e aspirar a coisas grandes.

Ele acusava o cristianismo por um dos mais belos dons que ele deu ao mundo. Um dos princípios com que o evangelho mais beneficamente influi no social é justamente o do serviço. Não é à toa que ele ocupa um lugar importante na doutrina social da Igreja. Jesus fez do serviço um dos pontos cardeais do seu ensinamento (Lc 22,25); ele mesmo diz que veio para servir e não para ser servido (Mc 10,45).

O serviço é um princípio universal; ele se aplica a todos os aspectos da vida: o estado deveria estar a serviço dos cidadãos, o político a serviço do estado, o médico a serviço dos doentes, o professor a serviço dos alunos… Mas ele se aplica de modo todo especial aos servidores da Igreja. O serviço não é, em si, uma virtude (em nenhum catálogo das virtudes ou dos frutos do Espírito se menciona a diakonia), mas brota de diversas virtudes, em particular da humildade e da caridade. É um modo de manifestação daquele amor que "não procura só o próprio interesse, mas também o dos outros" (Fil 2,4); que doa sem procurar contrapartida.

O serviço evangélico, oposto ao do mundo, não é prestado pelo inferior, pelo necessitado, mas pelo superior, aquele que ocupa os postos mais altos. Jesus diz que, na sua Igreja, é principalmente "quem governa" que deve ser "como aquele que serve" (Lc 22, 26); o primeiro deve ser "o servo de todos" (Mc 10,44). Estamos nos preparando para a beatificação de João Paulo II. No seu livro Dom e mistério, ele expressa com uma imagem forte este significado da autoridade na Igreja. Trata-se de versos que ele compôs em Roma no tempo do concílio:

"És tu, Pedro. Queres ser aqui o Pavimento

Sobre o qual os outros caminham...

Para chegar lá onde lhes guias os passos;

como a rocha sustenta o casco de um rebanho".

Para encerrar, escutemos as palavras que Jesus disse aos discípulos logo após lhes lavar os pés como dirigidas a nós, aqui e agora: "Entendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu sou. Se eu, que sou o Senhor e o Mestre, lavei os vossos pés, deveis também vós lavar-vos os pés uns aos outros. Eu vos dei o exemplo, para fazerdes como eu fiz" (Jo 13 12-15).

[Traduzido do original italiano por ZENIT]

Notas:
[1] A. von Harnack, Mission und Ausbreitung des Christentums in den ersten drei Jahrhunderten, Lipsia 1902.

[2] S. Gregório Magno, Comentário a Jó, XX,1 (CCL 143°, pg.1003).
[3] A. von Harnack, Das Wesen des Christentums, Lipsia 1900.
[4] A. von Harnack, O cristianismo e a sociedade, edição italiana, Mendrisio 1911, pgs. 12-15.
[5] M. Dibelius, Das soziale Motiv im N. Testament, in Botschaft und Geschichte, Tubingen 1953, pgs. 178-203.

[6] Bento XVI, "Caritas in veritate", nº 5.

sábado, 23 de abril de 2011

É a Páscoa do Senhor! - São Gregório de Nazianzo

Por: São Gregório Nazianzo

É a Páscoa do Senhor! Festa das festas, solenidade das solenidades!

É a Páscoa do Senhor, a Páscoa do Senhor, direi outra vez em honra da Trindade: é a Páscoa do Senhor! Festa das festas, solenidade das solenidades, eleva-se, não somente acima das festas humanas e terrestres, mas até mesmo das que são de Cristo e se celebram em sua honra, assim como o sol que obscurece a luz das estrelas. Que belo espetáculo, o de ontem, das vestimentas alvas e das luzes, nossa obra, a um tempo pessoal e comum, quando homens de todas as condições e de todas as categorias iluminavam a noite com o fulgor das lâmpadas.

Essa imensa claridade assemelhava-se à luz ofuscante que o céu nos envia do alto como um sinal, iluminando o universo com o fulgor dos astros. A imagem dessa luz era também superior à beleza das estrelas, dos anjos e da Trindade – os anjos participando da luz da Trindade – luz indivisa da qual procede toda luz, comunicando-lhes o fulgor.

Mais brilhante e mais excelente é a solenidade de hoje. Pois a luz de ontem era o prenúncio desta grande luz que surge, era como o alegre prelúdio da festa. Hoje celebramos a própria ressurreição, não mais como esperança, mas como realidade, que atrai para si todo o universo.

Ontem, imolava-se o cordeiro; marcava-se com seu sangue os portais; o Egito chorava seus primogênitos; o Exterminador poupava-nos, diante de um sinal que respeitava e temia; um sangue precioso protegia-nos. Hoje, purificados, fugimos do Egito, do Faraó, cruel soberano, e de seus implacáveis feitores. Já não estamos condenados à argamassa e ao tijolo, e ninguém nos impedirá de celebrar, em honra do Senhor nosso Deus, o dia em que saímos do Egito, e de celebrá-lo não com o velho fermento nem com o fermento da maldade ou da iniqüidade, mas com os pães ázimos da sinceridade e da verdade (1Cor 5, 8).

Ontem, eu estava crucificado com Cristo; hoje, sou glorificado com ele. Ontem, eu estava sepultado com Cristo; hoje, saio com ele do túmulo. Levemos, pois, nossas primícias àquele que sofreu e ressuscitou por nós. Credes que falo aqui de ouro, prata, tecidos, pedras preciosas? Ó frágeis bens da terra! Eles não saem do solo senão para cair, quase sempre, nas mãos de celerados, escravos deste mundo e do Príncipe do mundo.

Ofereçamos nossas próprias pessoas, que são o presente mais precioso aos olhos de Deus e o mais próximo dele. Rendamos à sua imagem o que mais a ela se assemelha. Reconheçamos nossa grandeza, honremos nosso modelo, compreendamos a força desse mistério e as razões da morte de Cristo.

Sejamos como Cristo, pois Cristo foi como nós. Sejamos deuses para ele, pois ele se fez homem por nós. Ele tomou o pior, para dar-nos o melhor; ele se fez pobre, para nos enriquecer com sua pobreza; ele tomou a condição de escravo, para obter-nos a liberdade; ele se abaixou, para exaltar-nos; ele foi tentado, para nos ver triunfar; ele se fez desprezar, para nos cobrir de glória. Ele morreu, para salvar-nos. Ele subiu aos céus, para atrair-nos até ele, a nós que roláramos no abismo do pecado.

Demos tudo, ofereçamos tudo àquele que, por nossa causa, se deu a si mesmo como preço de nossa redenção. Não daremos nada de maior que nós mesmos, se compreendermos esses mistérios e nos tornarmos para ele tudo o que se tornou para nós.

Fonte: mercaba.wordpress.com

A Vigília da Páscoa - Santo Agostinho

Por: Santo Agostinho

O bem-aventurado apóstolo Paulo, exortando-nos a que o imitemos, dá entre outros sinais de sua virtude o seguinte: “freqüente nas vigílias” [2Cor 11,27].

Com quanto maior júbilo não devemos também nós vigiar nesta vigília, que é como a mãe de todas as santas vigílias, e na qual o mundo todo vigia?

Não o mundo, do qual está escrito: “Se alguém amar o mundo, nele não está a caridade do Pai, pois tudo o que há no mundo é concupiscência dos olhos e ostentação do século, e isto não procede do pai” [1Jo 2,15].

Sobre tal mundo, isto é, sobre os filhos da iniqüidade, reinam o demônio e seus anjos. E o Apóstolo diz que é contra estes que se dirige a nossa luta: “Não contra a carne e o sangue temos de lutar, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores do mundo destas trevas” [Ef 6,12].

Ora, maus assim fomos nós também, uma vez; agora, porém, somos luz no Senhor. Na Luz da Vigília resistamos, pois, aos dominadores das trevas.

Não é, portanto, esse o mundo que vigia na solenidade de hoje, iras aquele do qual está escrito: “Deus estava reconciliando consigo o mundo, em Cristo, não lhe imputando os seus pecados” [2Cor 5,19].

E é tão gloriosa a celebridade desta vigília, que compele a vigiarem na carne mesmo os que, no coração, não digo dormem, mas até jazem sepultos na impiedade do tártaro. Vigiam também eles esta noite, na qual visivelmente se cumpre o que tanto tempo antes fora prometido: “E a noite se iluminará como o dia” [Sl 138,12]. Realiza-se isto nos corações piedosos, dos quais se disse: “Fostes outrora trevas, mas agora sois luz no Senhor”. Realiza-se isto também nos que zelam por todos, seja vendo-os no Senhor, seja invejando ao Senhor. Vigiam, pois, esta noite, o mundo inimigo e o mundo reconciliado. Este, liberto, para louvar o seu Médico; aquele, condenado, para blasfemar o seu juiz. Vigia um, nas mentes piedosas, ferventes e luminosas; vigia o outro, rangendo os dentes e consumindo-se. Enfim, ao primeiro é a caridade que lhe não permite dormir, ao segundo, a iniqüidade; ao primeiro, o vigor cristão, ao segundo o diabólico. Portanto, pelos nossos próprios inimigos sem o saberem eles, somos advertidos de como devamos estar hoje vigiando por nós, se por causa de nós não dormem também os que nos invejam.

Dentre ainda os que não estão assinalados com o nome de cristãos, muitos são os que não dormem esta noite por causa da dor, ou por vergonha. Dentre os que se aproximam da fé, há os que não dormem por temor. Por motivos vários, pois, convida hoje à vigília a solenidade (da Páscoa), Por isso, como não deve vigiar com alegria aquele que é amigo de Cristo, se até o inimigo o faz, embora contrariado? Como não deve arder o cristão por vigiar, nessa glorificação tão grande de Cristo, se até o pagão se envergonha de dormir? Como não deve vigiar em sua solenidade, o que já ingressou nesta grande Casa, se até o que apenas pretende nela ingressar já vigia?

Vigiemos, e oremos; para que tanto exteriormente quanto interiormente celebremos esta Vigília. Deus nos falará durante as leituras; falemo-lhe também nós em nossas preces. Se ouvimos obedientemente as suas palavras, em nós habita Aquele a quem oramos.

Fonte: mercaba.wordpress.com

terça-feira, 19 de abril de 2011

CONCÍLIO VATICANO II x TRADICIONALISTAS – EM QUEM CONFIAR?

A Tradição milenar da Igreja e o CV II são duas coisas contraditórias? O que devemos seguir e em qual deles confiar? Abordaremos a seguir a opinião da Igreja a respeito do assunto.

A Internet é um excelente meio de comunicação, se soubermos usá-la adequadamente. Caso contrário, pode virar um meio de dissimular notícias falsas e causar contendas, até mesmo quando se trata de questões da nossa fé católica.

Reservei este espaço intencionalmente, com o objetivo de esclarecer o que encontramos, com muita freqüência, em sites ditos católicos “tradicionalistas”, e que estão, infelizmente, confundindo e dividindo muitos cristãos dentro da nossa Igreja.

Você, internauta, com certeza já deve ter se deparado com muitos sites católicos, cada qual com uma linha de pensamento: um a favor do Concilio Vaticano II e o outro contra.

Muitos tradicionalistas estão negando um Concílio da Igreja, na qual dizem estar unidos e pertencer, com argumentos de que o CVII não foi válido por ter sido simplesmente pastoral (e não dogmático). Acusam a missa (chamada por eles de missa nova, a missa promulgada por Paulo VI) de ser sacrílega. Outros exageradamente chegam a dizer que a mesma é inválida, e tantas outras acusações. Utilizam de idéias que fogem à luz da verdade e obediência à Igreja. Poderia dizer que são verdadeiros ataques protestantes dentro da própria Igreja.

Ora, em quem acreditar? Quem fala a verdade?

Em meio a tanta guerra de egos, entre grupos e movimentos, entre alas conservadoras e pós-conciliares, não nos deixemos enganar por aqueles que não obedecem à Voz da Igreja. Veja o que diz o nosso Papa Bento XVI:

“Assim podemos hoje, com gratidão, dirigir o nosso olhar ao Concílio Vaticano II: se o lemos e recebemos guiados por uma justa hermenêutica, el e po de ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a sempre necessária renovação da Igreja. O Concílio Vaticano II, com o Decreto sobre a liberdade religiosa, reconhecendo e fazendo seu um princípio essencial do Estado moderno, recuperou novamente opatrimônio mais profundo da Igreja. Ela p ode ser consciente de encontrar-se assim em plena sintonia com o ensinamento do próprio Jesus (cf. Mt 22, 21) como também com a Igreja dos mártires, com os mártires de todos os tempos.”

Sabemos que o Concílio teve um caráter mais pastoral do que doutrinário, e não pronunciou “sentenças dogmáticas extraordinárias”, mas, como ressaltou o Papa, deixa-nos o “patrimônio da doutrina” da Igreja, “ensinamento autorizado” do magistério da Igreja.

Bento XVI ao celebrar no dia da Imaculada Conceição os quarenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II, em 08 dez 2005, o definiu como «o maior acontecimento eclesial do século XX», e agradeceu a Deus pelo Concílio. O Papa João Paulo II não se cansava de agradecer a Deus pelo Concilio; na Celebração eucarística na solenidade da Imaculada Conceição, em 15 out 1995, ele disse:

“Graças ao sopro do Espírito Santo, o Concílio lançou as bases de uma nova primavera da Igreja. Ele não marcou a ruptura com o passado, mas soube valorizar o patrimônio da inteira tradição eclesial, para orientar os fiéis na resposta aos desafios da nossa época. À distância de trinta anos, é mais do que nunca necessário retornar àquele momento de graça. Já no Sínodo dos Bispos de 1985 [sobre o Concílio] foi posto um análogo interrogativo. Ele continua válido ainda hoje, e obriga antes de mais a reler o Concílio, para dele recolher integralmente as indicações e assimilar o seu espírito...” (L’Osservatore Romano, 15/10/95)

Essas palavras do Papa deixam claro, mais uma vez, a fundamental importância do Concílio Vaticano II para a Igreja. João Paulo II já tinha se referido a ele como “a primavera da Igreja”. Assim, é preciso calar de vez as vozes dissonantes e muito prejudiciais à Igreja que se levantam contra o Concílio. São maus católicos, em comunhão imperfeita com a Igreja, os que se prestam a esse triste serviço.

Mas então porque os tradicionalistas não aceitam o Concilio Vaticano II, mesmo depois de João Paulo II e Bento XVI se proclamarem a favor dele? Seriam eles mais importantes ou mais sábios que os sucessores de Pedro? O grande problema é que os tradicionalistas possuem um conceito de tradição diferente do seu verdadeiro significado.

As mudanças dentro da Igreja e a reforma litúrgica, segundo eles, romperam com a Tradição, classificando-o como um concilio inválido. Portanto, o raciocínio deles seria que o correto está naquilo que se procedeu anteriormente ao Concílio Vaticano II, como se o Espírito Santo não tivesse assistido à Igreja duramente o mesmo. Mas vejamos o que diz o Papa Bento XVI e o Concílio de Trento (que os tradicionalistas respeitam) a respeito da verdadeira Tradição:

“A Tradição apostólica da Igreja consiste nesta transmissão dos bens da salvação, que faz da comunidade cristã a atualização permanente, na força do Espírito, da comunhão originária. Ela é chamada assim porque surgiu do testemunho dos Apóstolos e da comunidade dos discípulos no tempo das origens, foi entregue sob a guia do Espírito Santo nos textos do Novo Testamento e na vida sacramental, na vida da fé, e a ela, a esta tradição, que é toda a realidade sempre atual do dom de Jesus, a Igreja refere-se continuamente como ao seu fundamento e à sua norma através da sucessão ininterrupta do mistério apostólico.” (Papa Bento XVI, 26 abril de 2006 – audiência geral).

O Concílio de Trento, na sua XXI Sessão (16/07/1562), capítulo II, deixava bem claro este princípio: a Igreja sempre tem poder de estabelecer ou mudar aquilo que segundo as circunstâncias, tempos e lugares, julgue conveniente à utilidade dos fiéis ou à veneração dos mesmos sacramentos, contanto que fique salvo o essencial deles (salva illorum substantia).

Acaso não foi isso que o Concílio Vaticano II fez com relação à reforma litúrgica?! Além do mais, os que pretendem colocar a chamada Missa tridentina como única possibilidade, não estão, por acaso, excluindo todos os demais ritos católicos?

A Tradição – continua Bento XVI – “não é a simples transmissão material de quanto foi doado no início aos Apóstolos, mas a presença eficaz do Senhor Jesus, crucificado e ressuscitado, que acompanha e guia no Espírito a comunidade por ele reunida.”

Relaciona, portanto, Tradição, historicidade da Igreja e comunhão: “A Tradição é a comunhão dos fiéis à volta dos legítimos Pastores no decorrer da história, uma comunhão que o Espírito Santo alimenta garantindo a ligação entre a experiência da fé apostólica, vivida na originária comunidade dos discípulos, e a experiência atual de Cristo na sua Igreja. Tradição não é transmissão de coisas ou palavras, uma coleção de coisas mortas. A Tradição é o rio vivo que nos liga às origens, o rio vivo no qual as origens estão sempre presentes. O grande rio que nos conduz ao porto da eternidade.”

O Papa João Paulo II em forma de “Motu Proprio”, Ecclesia Dei adflicta, de 02 de julho de 1988, ainda questiona o ambiente tradicionalista que se opõe à obediência à Igreja, no qual se maneja uma noção incompleta e contraditória de Tradição:

“Incompleta, porque não tem em suficiente consideração o caráter vivo da Tradição. Mas é, sobretudo, contraditória uma noção de Tradição que se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Colégio dos Bispos. Não se pode permanecer fiel à Tradição rompendo o vínculo eclesial com aquele a quem o próprio Cristo, na pessoa do Apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja”.

Portanto, digo a vocês leitores desse artigo, que se existem discrepâncias e erros da parte de alguns leigos e/ou padres no cumprimento das suas funções dentro da Igreja, deve-se ao não cumprimento ou má interpretação do Concílio Vaticano II, e não por culpa deste. Infelizmente, observamos nos dias de hoje muitos abusos litúrgicos, sincretismo religioso, incorporações de ritos durante as celebrações eucarísticas e erros doutrinários difundidos por alguns padres mal orientados. Esses fatos devem ser combatidos com veemência, porém não se deve culpar o CVII, inspirado pelo Espírito Santo. Não aceitá-lo seria o mesmo que não estar em comunhão com a Igreja.

Ao lerem qualquer assunto contra o Concílio Vaticano II ou contra a missa “nova”, fiquem em paz, não tenham medo de não estarem no caminho certo. Fiquem seguros que não erramos por seguir a nossa Igreja e nosso Papa!

Sejamos obedientes à Igreja. Obediência acima de tudo! Fiquemos com a Igreja!

E digo isso com base nas palavras de Santo Agostinho: “Prefiro errar com a Igreja, que acertar sem ela”. A base de tudo é a confiança e a obediência. Que isso valha para todos nós!

Fonte: www.veniteadoremus.com

segunda-feira, 18 de abril de 2011

DIDAQUE - A Doutrina dos Apóstolos

Pax et Ignis!
"Didaqué, ou Ensinos dos Doze Apóstolos, foi escrito entre o ano 65 e 80 da era Cristã e foi impresso em 1883, dez anos depois de ter sido encontrado em Macedônia, perto de Constantinopla. É considerado como o documento Cristão mais antigo. Ele dá os pontos de vista dos começos da Igreja e era altamente apreciado pelos Primeiros Padres. Possui um grande ensinamento para todos nós e por eles parece que nós estamos escutando os Apóstolos falando-nos e ensinando-nos "."

DIDAQUE - A Doutrina dos Apóstolos

1 Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da morte. Há uma grande diferença entre os dois.

2 Este é o caminho da vida: primeiro, ame a Deus que o criou; segundo, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você.

3 Este é o ensinamento derivado dessas palavras: bendiga aqueles que o amaldiçoam, reze por seus inimigos e jejue por aqueles que o perseguem. Ora, se você ama aqueles que o amam, que graça você merece? Os pagãos também não fazem o mesmo? Quanto a você, ame aqueles que o odeiam e assim você não terá nenhum inimigo.

4 Não se deixe levar pelo instinto. Se alguém lhe bofeteia na face direita, ofereça-lhe também a outra face e assim você será perfeito. Se alguém o obriga a acompanhá-lo por um quilometro, acompanhe-o por dois. Se alguém lhe tira o manto, ofereça-lhe também a túnica. Se alguém toma alguma coisa que lhe pertence, não a peça de volta porque não é direito.

5 Dê a quem lhe pede e não peças de volta pois o Pai quer que os seus bens sejam dados a todos. Bem-aventurado aquele que dá conforme o mandamento pois será considerado inocente. Ai daquele que recebe: se pede por estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebeu sem necessidade, prestará contas do motivo e da finalidade. Será posto na prisão e será intgerrogado sobre o que fez... e daí não sairá até que devolva o último centavo.

6 Sobre isso também foi dito: que a sua esmola fique suando nas suas mãos até que você saiba para quem a está dando.

CAPÍTULO II

1 O segundo mandamento da instrução é:

2 Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido.

3 Não cobice os bens alheios, não cometa falso juramento, nem preste falso testemunho, não seja maldoso, nem vingativo.

4 Não tenha duplo pensamento ou linguajar pois o duplo sentido é armadilha fatal.

5 A sua palavra não deve ser em vão, mas comprovada na prática.

6 Não seja avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não planeje o mal contra o seu próximo.

7 Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, reze por outros e ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo.

CAPÍTULO III

1 Filho, procure evitar tudo aquilo que é mau e tudo que se parece com o mal.

2 Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas essas coisas.

3 Filho, não cobice as mulheres pois a cobiça leva à fornicação. Evite falar palavras obscenas e olhar maliciosamente já que os adultérios surgem dessas coisas.

4 Filho, não se aproxime da adivinhação porque ela leva à idolatria. Não pratique encantamentos, astrologia ou purificações, nem queira ver ou ouvir sobre isso, pois disso tudo nasce a idolatria.

5 Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo. Não persiga o dinheiro nem cobice a fama porque os roubos nascem dessas coisas.

6 Filho, não fale demais pois falar muito leva à blasfêmia. Não seja insolente, nem tenha mente perversa porque as blasfêmias nascem dessas coisas.

7 Seja manso pois os mansos herdarão a terra.

8 Seja paciente, misericordioso, sem maldade, tranquilo e bondoso. Respeite sempre as palavras que você escutou.

9 Não louve a si mesmo, nem se entrege à insolência. Não se junte com os poderosos, mas aproxima dos justos e pobres.

10 Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus.

CAPÍTULO IV

1 Filho, lembre-se dia e noite daquele que prega a Palavra de Deus para você. Honre-o como se fosse o próprio Senhor, pois Ele está presente onde a soberania do Senhor é anunciada.

2 Procure estar todos os dias na companhia dos fiéis para encontrar forças em suas palavras.

3 Não provoque divisão. Ao contrário, reconcilia aqueles que brigam entre si. Julgue de forma justa e corrija as culpas sem distinguir as pessoas.

4 Não hesite sobre o que vai acontecer.

5 Não te pareças com aqueles que dão a mão quando precisam e a retiram quando devem dar.

6 Se o trabalho de suas mãos te rendem algo, as ofereça como reparação pelos seus pecados.

7 Não hesite em dar, nem dê reclamando porque, na verdade, você sabe quem realmente pagou sua recompensa.

8 Não rejeite o necessitado. Compartilhe tudo com seu irmão e não diga que as coisas são apenas suas. Se vocês estão unidos nas coisas imortais, tanto mais estarão nas coisas perecíveis.

9 Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.

10 Não dê ordens com rudeza ao seu escravo ou escrava pois eles também esperam no mesmo Deus que você; assim, não perderão o temor de Deus, que está acima de todos. Certamente Ele não virá chamar a pessoa pela aparência, mas somente aqueles que foram preparados pelo Espírito.

11 Quanto a vocês, escravos, obedeçam aos seus senhores, com todo o respeito e reverência, como à própria imagem de Deus.

12 Deteste toda a hipocrisia e tudo aquilo que não agrada o Senhor.

13 Não viole os mandamentos dos Senhor. Guarde tudo aquilo que você recebeu: não acrescente ou retire nada.

14 Confesse seus pecados na reunião dos fiéis e não comece a orar estando com má consciência. Este é o caminho da vida.

CAPÍTULO V

1 Este é o caminho da morte: primeiro, é mau e cheio de maldições - homicídios, adultérios, paixões, fornicações, roubos, idolatria, magias, feitiçarias, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisias, coração com duplo sentido, fraudes, orgulho, maldades, arrogância, avareza, palavras obscenas, ciúmes, insolência, altivez, ostentação e falta de temor de Deus.

2 Nesse caminho trilham os perseguidores dos justos, os inimigos da verdade, os amantes da mentira, os ignorantes da justiça, os que não desejam o bem nem o justo julgamento, os que não praticam o bem mas o mal. A calma e a paciência estão longe deles. Estes amam as coisas vãs, são ávidos por recompensas, não se compadecem com os pobres, não se importam com os perseguidos, não reconhecem o Criador. São também assassinos de crianças, corruptores da imagem de Deus, desprezam os necessitados, oprimem os aflitos, defendem os ricos, julgam injustamente os pobres e, finalmente, são pecadoresconsumados. Filho, afaste-se disso tudo.

CAPÍTULO VI

1 Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.

2 Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder.

3 A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.

CAPÍTULO VII

1 Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

2 Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.

3 Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

4 Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.

CAPÍTULO VIII

1 Os seus jejuns não devem coincidir com os dos hipócritas. Eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana. Porém, você deve jejuar no quarto dia e no dia da preparação.

2 Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".

3 Rezem assim três vezes ao dia.

CAPÍTULO IX

1 Celebre a Eucaristia assim:

2 Diga primeiro sobre o cálice: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre".

3 Depois diga sobre o pão partido: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.

4 Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre".

5 Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães".

CAPÍTULO X

1 Após ser saciado, agradeça assim:

2 "Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome que fizeste habitar em nossos corações e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.

3 Tu, Senhor onipotente, criaste todas as coisas por causa do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais e uma vida eterna através do teu servo.

4 Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti, glória para sempre.

5 Lembra-te, Senhor, da tua Igrreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre.

6 Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é infiel. Maranatha. Amém."

7 Deixe os profetas agradecerem à vontade.

CAPÍTULO XI

1 Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.

2 Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor.

3 Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho.

4 Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.

5 Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta.

6 Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.

7 Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado.

8 Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.

9 Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.

10 Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta.

11 Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.

12 Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.

CAPÍTULO XII

1 Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita.

2 Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário.

3 Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar.

4 Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio.

5 Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!

CAPÍTULO XIII

1 Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se em seu meio é digno do alimento.

2 Assim também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento, como qualquer operário.

3 Assim, tome os primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê aos profetas, pois são eles os seus sumos-sacerdotes.

4 Porém, se você não tiver profetas, dê aos pobres.

5 Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o preceito.

6 Da mesma maneira, ao abrir um recipiente de vinho ou óleo, tome a primeira parte e a dê aos profetas.

7 Tome uma parte de seu dinheiro, da sua roupa e de todas as suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê de acordo com o preceito.

CAPÍTULO XIV

1 Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.

2 Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado.

3 Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: "Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei - diz o Senhor - e o meu nome é admirável entre as nações".

CAPÍTULO XV

1 Escolha bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados pois também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.

2 Não os despreze porque eles têm a mesma dignidade que os profetas e os mestres.

3 Corrija uns aos outros, não com ódio, mas com paz, como você tem no Evangelho. E ninguém fale com uma pessoa que tenha ofendido o próximo; que essa pessoa não escute uma só palavra sua até que tenha se arrependido.

4 Faça suas orações, esmolas e ações da forma que você tem no Evangelho de nosso Senhor.

CAPÍTULO XVI

1 Vigie sobre a vida uns dos outros. Não deixe que sua lâmpada se apague, nem afrouxe o cinto dos rins. Fique preparado porque você não sabe a que horas nosso Senhor chegará.

2 Reúna-se com frequência para que, juntos, procurem o que convém a vocês; porque de nada lhe servirá todo o tempo que viveu a fé se no último instante não estiver perfeito.

3 De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se converterá em ódio.

4 Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo.

5 Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.

6 Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos.

7 Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: "O Senhor virá e todos os santos estarão com ele".

8 Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu.