quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Matrimônio como Sacramento

O matrimônio está constituído como um dos sete sacramentos da Nova Lei. Sabe-se que o matrimônio tem, entre os sacramentos, a peculiaridade de não ter sido instituído por Jesus Cristo, tendo o Senhor elevado a sacramento uma realidade já existente, uma vez que Deus instituiu o matrimônio quando da criação de nossos primeiros pais. Dessa forma, podemos afirmar que, além dos matrimônios entre batizados, existem outros matrimônios válidos, que são os que foram celebrados por pessoas não-cristãs. Deve-se recordar que esses matrimônios são autênticos e, igualmente, queridos por Deus.

O cânon 1055 no-lo recorda:

"Cânon 1055.

§1 - O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.

§2 - Portanto, entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido, que não seja por isso mesmo sacramento."

Como se vê, qualquer matrimônio entre batizados é um matrimônio sacramental. Na doutrina canonística fala-se da inseparabilidade do contrato e do sacramento; ou seja: não é possível separar ambos os aspectos do matrimônio entre batizados. O papa João Paulo II, em seu discurso à Rota Romana de 2003, recorda que "a dimensão natural e a relação com Deus [do matrimônio] não são dois aspectos justapostos; pelo contrário, estão unidos tão intimamente como a verdade sobre o homem e a verdade sobre Deus". De outra forma, a exclusão da sacramentalidade do matrimônio é uma das causas de nulidade (cf. cân. 1101, §2), da mesma forma que o erro determinante acerca da dignidade sacramental do matrimônio também o é (cf. cân. 1099).

Sobre esses dois capítulos de nulidade, o Romano Pontífice indica que "em ambos os casos, é decisivo considerar que uma atitude dos contraentes que não leve em conta a dimensão sobrenatural no matrimônio poderá tornar este nulo apenas se negar validade em seu plano natural, no qual se situa o mesmo sinal sacramental".

Efeitos da Dignidade Sacramental do Matrimônio

Quais são os efeitos da natureza sacramental do matrimônio? O cânon 1134 explica: "No matrimônio cristão, os cônjuges são robustecidos e como que consagrados, com sacramento especial, aos deveres e à dignidade de seu estado". Não é aqui o lugar para se estender nas características sacramentais ou nos meios ascéticos, ou na vocação cristã à santidade dos fiéis casados, porém, podemos recordar - com João Paulo II - que se a dignidade de qualquer batizado é grande, nos batizados "a união entre o homem e a mulher não apenas pode recobrar a santidade original, livrando-se do pecado, mas também pode inserir realmente no mesmo mistério da aliança de Cristo com a Igreja". O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium 11, indica que "os esposos cristãos, com a força do sacramento do matrimônio, pelo que representam e participam do mistério da unidade e do amor fecundo entre Cristo e sua Igreja (cf. Ef. 5,32), se ajudam mutuamente a santificar-se com a vida matrimonial e com a recepção e educação dos filhos".

Não se pode dizer que existem dois matrimônios - um canônico (a que se refere a sacramentalidade do matrimônio) e outro civil (a que se refere o contrato dos contraentes). Antes - de acordo com João Paulo II, em seu discurso à Rota Romana de 2003 - "é preciso redescobrir a dimensão transcedente que é intrínsica à verdade plena sobre o matrimônio e sobre a família, superando toda dicotomia orientada a separar os aspectos profanos dos religiosos, como se existissem dois matrimônios, um profano e outro sagrado".

Por outro lado, no matrimônio sacramental - ou, segundo outra terminologia, o matrimônio rato (cf. cân. 1061, §2) - que, ademais, tenha sido consumado, a indissolubilidade adquire uma especial firmeza: assim afirma o cânon 1141.

Que se deve Entender por Matrimônio Sacramental?

Note-se que não se faz referência ao matrimônio contraído canonicamente. O caráter sacramental do matrimônio deve ser entendido, portanto, como se referindo aos matrimônios validamente contraídosse ambos os contraentes são batizados. Inclui, portanto, os matrimônios contraídos entre batizados em qualquer confissão cristã: os requisitos são - como já vimos - que o batismo de ambos os contraentes seja válido e que o matrimônio igualmente seja válido. Tenha-se em conta que, se nenhum dos contraentes for católico, não rege para eles o Direito Canônico. Assim afirma o cânon 1059, interpretado sensu contrario:

"Cânon 1059 - O matrimônio dos católicos, mesmo que só uma das partes seja católica, rege-se não só pelo Direito Divino, mas também pelo Canônico, salva a competência do poder civil sobre os efeitos meramente civis desse matrimônio."

Assim, se ambos os contraentes foram validamente batizados em uma confissão não-católica, contraem matrimônio válido se o seu matrimônio seguir as normas do Direito Divino, mesmo tendo sido contraído perante o ministro de sua confissão religiosa ou de uma autoridade civil. Ademais, como estamos vendo, seu matrimônio é verdadeiro sacramento. Porém, não terminam aqui as conclusões que temos que fazer a partir do cânon 1055.

Com efeito, o canon fala de qualquer contrato matrimonial válido entre batizados. Não se exclui o matrimônio entre católicos. Certamente ninguém pode dizer que aí não está incluído o matrimônio celebrado na forma canônica. Contudo, não podemos esquecer que pode haver matrimônios válidosentre católicos celebrados em forma não canônica: o cânon 1117 indica que estão obrigados à forma canônica do matrimônio os contraentes, "se ao menos um dos contraentes foi batizado na Igreja Católica ou recebido nela e não se tenha afastado dela por ato formal", sem prejuízo da norma aplicável aos matrimônios mistos. Portanto, pode haver católicos afastados formalmente da Igreja Católica que, assim, não estão obrigados à forma canônica. Nestes casos, os contraentes contraem validamente [o matrimônio] se o fazem em outra forma e, por efeito do cânon 1055, tal matrimônio é sacramental. Entenda-se que se o Código de Direito Canônico recorda a natureza sacramental do matrimônio dos católicos, ainda que se tenham afastado da Igreja, não tenta favorecer - nada mais alheio à intenção do Legislador - o que poderíamos chamar "matrimônio civil dos católicos". O Código de Direito Canônico pretende mais reconhecer e facilitar o direito a contrair matrimônio - o ius conubii - de quem teve a infelicidade de se afastar da Igreja Católica (digo isto sem a intenção de julgar o íntimo de quem assim agiu).

Restam duas possíveis dúvidas: de um lado, o caso dos casados que se batizam; de outro, o caso do matrimônio misto, isto é, o matrimônio em que um dos contraentes é batizado e o outro não. "A Igreja católica reconheceu sempre os matrimônios entre não-batizados que se convertem em sacramento cristão mediante o batismo dos esposos e não tem dúvidas sobre a validade do matrimônio de um católico com uma pessoa não-batizada, se celebrado com a devida dispensa", responde o papa João Paulo II no Discurso à Rota Romana de 2003.

Portanto, devemos concluir recordando a dignidade de qualquer matrimônio, porém, especialmente do matrimônio que, além de tudo, é sacramento.

Fonte: Es.Catholic.Net. Traduzido para o Veritatis Splendor por Carlos Martins Nabeto.

sábado, 19 de novembro de 2011

O Papa no avião rumo ao Benin: Não imitar os evangélicos e dar nova vitalidade à Fé Católica


ROMA, 18 Nov. 11 / 01:04 pm (ACI/EWTN Noticias)

No vôo para a cidade de Cotonou, no Benin, na segunda viagem ao continente africano do seu pontificado, oPapa Bento XVI assinalou que os fiéis não devem imitar as comunidades evangélicas ou pentecostais mas " perguntar-nos o que podemos fazer para dar nova vitalidade à fé católica".

Na costumeira roda de imprensa no avião que o levou ao Benin aonde chega para entregar a exortação apostólica pós-sinodal Africae munus (O compromisso da África) aos bispos, o Santo Padre propôs que esta renovação da fé católica deve começar com o anúncio de um "mensagem simples, profundo e compreensível".

Conforme assinala a Rádio Vaticano, o Papa explicou que "é importante que o cristianismo não apareça como um sistema difícil europeu, que outros não podem compreender ou realizar, mas como uma mensagem universal que afirme quem é Deus, que Deus nos conhece e nos ama e que a religião vivida faz nascer a colaboração e a fraternidade".

"É sempre muito importante que prevaleça a iniciativa das comunidades e da pessoa. E finalmente diria que é preciso uma liturgia participativa mas não uma sentimental: não deve estar baseada apenas na expressão dos sentimentos, e sim caracterizada pela presença do mistério no qual entramos, pelo qual nos deixamos formar".

O Papa Bento XVI também disse que é importante neste contexto "não perder a universalidade" na inculturação, embora "preferiria falar de interculturalidade e não tanto de inculturação, quer dizer de um encontro de culturas" e "assim crescer também na fraternidade universal", ajudados pelo grande valor da catolicidade.

O Santo Padre explicou ademais que viaja ao Benin porque este um país exemplar da convivência pacífica, especialmente entre as várias religiões aí presentes.

"Estas diversas religiões convivem no respeito recíproco e na responsabilidade comum pela paz, pela reconciliação interna e externa. Parece-me que esta convivência entre as religiões e o diálogo interreligioso como fator de paz e de liberdade são um aspecto importante", assegurou.

No Benin ademais funcionam as instituições democráticas e se respira "um espírito de liberdade e responsabilidade", de justiça e um sentido do "trabalho para o bem comum".

O Papa também disse que "a frescura da vida que existe na África, a juventude tão cheia de entusiasmo e esperança, mas também de humor e alegria, mostra-nos que há aqui uma reserva de humanidade".

"É o frescor do sentido religioso e da esperança, é uma percepção da realidade metafísica, da realidade na totalidade com Deus. Não é a redução ao positivismo, que restringe nossa vida e que a faz mais árida e reprime a esperança".

Sobre a outra razão de sua visita, que é rezar na tumba do seu amigo o Cardeal Bernardin Gantin, o Papa recordou que foi seu aluno e que logo serviu com muita inteligência e dedicação no Vaticano, sendo sempre um homem "de profunda fé e oração".

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Meu testemunho sobre o Sacramento do Batismo - O Batismo de Crianças nos Padres da Igreja e na História

Padre Denir e Celito Garcia

Salve Maria!

Tive a grande alegria de conhecer o Padre Denir, da paróquia Divino Espírito Santo da cidade de Itápolis - SP. Minha terra natal. Foi graças a este sacerdote da Igreja que recebi o sacramento do batismo. Brevemente sem detalhes partilho com você leitor a graça que recebi de Deus quando ainda criança fui batizado.

Com pouco mais de um ano de vida - conta minha mãe - tive uma infecção muito forte no intestino que quase me levou a morte. Este foi o motivo que meu avô e minha mãe me levaram as pressas - já desenganado pelos médicos - sem marcar horário, ou ter feito o curso de batismo na paróquia do reverendíssimo sacerdote, para que eu não morresse sem o sacramento do batismo. Sem demora, vendo a situação daquela criança o Padre celebrou então - com padrinhos escolhidos ali mesmo - o sacramento em que eu morreria para o pecado e ressuscitaria para uma vida nova em Cristo, introduzido em seu corpo místico que é a Igreja Católica. Logo no dia seguinte minha mãe junto com os médicos ficaram espantados com a rápida recuperação - de um dia para o outro - que eu tivera.

Fui batizado para que não morresse sem o sacramento do batismo. Hoje tenho 30 anos de vida, pouco mais de 28 anos de batismo, sou Católico para a honra e glória de Deus.

Recebi o sacramento do batismo ainda criança, e foi graças a este sinal visível de uma grande graça invisível que estou vivo até hoje. Foi um milagre!

Segue abaixo um edificante texto sobre o batismo de crianças durante a história da Igreja com vários testemunhos dos Santos Padres que comprovam que esta prática existe a muito tempo na Igreja Católica.

Pax et Ignis!


O Batismo de Crianças nos Padres da Igreja e na História

O batismo de crianças é uma prática imemorial da Igreja, tendo sido instituída pelos Apóstolos. Nestas linhas não pretendo me aprofundar nos argumentos bíblicos em favor do batismo das crianças (pois já foram tratados em outra ocasião), mas nos testemunhos que a Igreja nos deixou ao longo da História, em favor desse sacramento pelo qual somos sepultados com Cristo em sua morte, a fim de que, da mesma forma como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos através da glória do Pai, também nós possamos viver uma nova vida. Tratarei, ainda que brevemente, das heresias que ao longo dos séculos ergueram obstáculos para que as crianças fossem regeneradas pelo nascer da água e do espírito, e sua evolução através da História.

O BATISMO DAS CRIANÇAS NOS PADRES DA IGREJA (SÉCULOS I A IV)

Nos primeiros quatro séculos da Era Cristã encontramos total unanimidade acerca dessa matéria. Há numerosos testemunhos de Padres da Igreja que falam da importância do batismo das crianças. Houve também quem optasse por retardar o seu batismo, mas por razões censuradas pela Igreja, como para não ter que largar a vida pecaminosa e, assim, obter o perdão dos pecados no momento da morte (algo bastante insensato, visto que ninguém sabe em que momento irá morrer ou se terá ainda chance de ser batizado); ou livrar-se das penitências que teriam que ser feitas caso tornasse a pecar após o batismo.

SANTO IRENEU

Bispo e mártir, foi discípulo de São Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo São João. Célebre por seu tratado “Contra as Heresias”, em que combatia as heresias do seu tempo, em especial a dos gnósticos. Nasceu por volta de 130 d.C. e morreu em 202 d.C.

Faz eco da fé da Igreja primitiva, que professava que todo homem nasce na carne e que, portanto, deve nascer da água e do espírito - o que interpreta inequivocamente como o batismo, pelo qual se obtém ainda a remissão dos pecados:

“E [Naaman] mergulhou [...] sete vezes no Jordão. Não foi sem razão que Naaman, já velho e leproso, foi purificado ao ser batizado, mas para nos indicar que, como leprosos no pecado, somos limpos de nossas transgressões mediante a água sagrada e a invocação do Senhor, sendo espiritualmente regenerados como crianças recém-nascidas, mesmo quando o Senhor já declarou: 'Aquele que não nascer de novo da água e do espírito, não entrará no reino dos céus'” (Fragmento 34).[1]

Ao longo dos escritos deste e de outros Padres veremos como em nenhum momento restringem a graça e os dons de Deus a ninguém, sejam bebês, adolescentes ou adultos. No texto a seguir, embora não se encontre uma referência explícita ao batismo de crianças, encontramos a crença de que Deus pode derramar a sua graça e santificar qualquer pessoa, independente de ter ou não idade para crer (rejeitando, com cerca de mil anos de antecedência, os argumentos empregados pelos anabatistas):

“Porque veio salvar a todos. E digo 'todos', isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor” (Contra as Heresias 2,22,4).[2]

ORÍGENES

Orígenes foi escritor eclesiástico, teólogo e comentarista bíblico. Viveu em Alexandria até 231; passou os últimos 20 anos de sua vida em Cesaréia Marítima, na Palestina, e também viajando pelo Império Romano. Foi o maior mestre da doutrina cristã em sua época e exerceu uma extraordinária influência como intérprete da Bíblia.

O testemunho de Orígenes é de capital importância, não apenas porque como os outros Padres nos explica a razão de ser necessário batizar as crianças, mas pelo seu testemunho explícito de que este foi um costume recebido pela Igreja diretamente dos Apóstolos. Orígenes, com sua pena, confirma, de antemão, aquilo que a arqueologia comprovaria ao encontrar evidências de batismos de crianças pela Igreja primitiva.

“A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo inclusive às crianças, pois aqueles a quem foram confiados os segredos dos mistérios divinos sabiam muito bem que todos carregam a mancha do pecado original que deve ser lavada pela água e pelo espírito” (In. Rom. Com. 5,9: EH 249).[3]

“Se as crianças são batizadas 'para a remissão dos pecados' cabem as perguntas: de que pecados se tratam? Quando eles pecaram? Como se pode aceitar tal testemunho para o batismo das crianças se não se admitir que 'ninguém é isento do pecado, mesmo quando a sua vida na terra não tenha durado mais que um só dia'? As manchas do nascimento são apagadas pelo mistério do batismo. Batizam-se as crianças porque 'se não nascer da água e do espírito, é impossível entrar no reino dos céus'” (In Luc. Hom. 14,1.5).[4]

“'Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi curado, apenas Naaman, o sírio', que não pertencia ao povo de Israel. Considerem o grande número de leprosos que havia até este momento 'em Israel segundo a carne'. Vejam, por outro lado, o Eliseu espiritual, nosso Senhor e Salvador, que purifica no mistério batismal os homens cobertos pelas manchas da lepra e lhes dirige estas palavras: 'Levanta-te, vai ao Jordão, lava-te e tua carne ficará limpa'. Naaman levantou-se e se foi; e, ao banhar-se, se cumpriu o mistério do batismo: 'sua carne ficou igual à carne de uma criança'. De que criança? Daquele que 'no banho da regeneração' nasce em Cristo Jesus” (In. Luc. Hom 33,5).[5]

“Se gostais de ouvir o que outros santos disseram acerca do nascimento físico, escutai a Davi quando diz: 'Fui formado na maldade e minha mãe me concebeu no pecado'. Assim diz o texto. Demonstra que toda alma que nasce na carne carrega a mancha da iniquidade e do pecado. Esta é a razão daquela sentença que citamos mais acima: ninguém está limpo do pecado, nem sequer a criança que só tem um dia [de vida]. A tudo isto se pode acrescentar uma consideração sobre o motivo que a Igreja tem para o costume de batizar também as crianças: este sacramento da Igreja é para a remissão dos pecados. Certamente que, se não houvesse nas crianças nada que requeresse a remissão e o perdão, a graça do batismo seria desnecessária” (In Lev. Hom 8,3).[6]

SANTO HIPÓLITO DE ROMA

Desconhece-se a data e o lugar do seu nascimento, mesmo que se saiba que foi discípulo de Santo Ireneu de Lião. Seu grande conhecimento da filosofia e dos mistérios gregos, e sua própria psicologia, indicam que procedia do Oriente. Até o ano 212 era presbítero em Roma, onde Orígenes, durante sua viagem à capital do Império, o ouviu pronunciar um sermão.

Por ocasião do problema da readmissão na Igreja daqueles que tinham apostatado durante alguma perseguição, estourou um grave conflito que o colocou em oposição ao Papa Calisto, já que Hipólito se mostrava rigorista nesta matéria, embora não negasse que a Igreja possuía o poder de perdoar os pecados. Tão forte se tornou a questão, que se separou da Igreja e, eleito bispo de Roma por um pequenino círculo de partidários, tornou-se o primeiro Antipapa da História. O cisma se prolongou até depois da morte de Calisto, durante os pontificados de seus sucessores Urbano e Ponciano. Terminou em 235, pela perseguição de Maximino, que desterrou o Papa legítimo (Ponciano) e a Hipólito às minas da Sardenha, onde se reconciliaram. Ali os dois renunciaram ao pontificado para facilitar a pacificação da comunidade romana, que desta forma pôde eleger um novo Papa e dar por encerrado o cisma. Tanto Ponciano quanto Hipólito morreram no ano 235.

Um testemunho de singular importância temos também graças à “Tradição Apostólica”, a qual é uma das mais antigas e importantes constituições eclesiásticas da Antiguidade (foi escrita por volta do ano 215). Nela encontramos instruções específicas acerca da administração do batismo, onde consta a prática de batizar crianças e como em razão da fé dos pais poderiam ser batizadas:

“Ao cantar o galo, se começará a rezar sobre a água, seja a água que flui da fonte, seja a que flui do alto. Assim se fará, salvo em caso de necessidade. Portanto, se houver uma necessidade permanente e urgente, se empregará a água que se encontrar. Se desnudarão e se batizarão primeiro as crianças. Todas as que puderem falar por si mesmas, que falem; quanto às que não puderem, falem por elas os seus pais ou alguém da sua família. Se batizarão em seguida os homens e, finalmente, as mulheres [...] O bispo ao impor-lhes as mãos, pronunciará a invocação: 'Senhor Deus, que os fizeste dignos de obter a remissão dos pecados através do banho da regeneração, fazei-os dignos de receber o Espírito Santo e envia sobre eles a tua graça, para que te sirvam obedecendo a tua vontade. A Ti a glória, Pai, Filho e Espírito Santo, na Santa Igreja, agora e pelos séculos. Amém” (Tradição Apostólica 20,21).[7]

SÃO CIPRIANO DE CARTAGO

Bispo de Cartago, nascido por volta do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos em contraste com a pureza de costumes dos cristãos o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo. Ao tornar-se mais forte a perseguição de Décio, em 250, julgou melhor retirar-se para outro lugar, a fim de continuar se ocupando com o seu rebanho.

Tem-se evidência de que durante sua vida houve quem pretendesse atrasar o batismo das crianças para o oitavo dia após o seu nascimento, à semelhança da circuncisão, tornando necessário a Cipriano, em seu nome e de mais 66 bispos, enviar uma carta a Fido testemunhando a fé da Igreja de que não se deve retardar o batismo das crianças e que estas poderiam ser batizadas desde logo. A carta integral encontra-se disponível na Internet, no volume 5 de “Ante Nicene Fathers”, de Schaff (protestante) e ainda na “New Advent Encyclopedia”[8].

Entre alguns pontos interessantes, temos:

“Porém, no tocante às crianças, as quais dizes que não devem ser batizadas no segundo ou terceiro dia após seu nascimento, e que a antiga lei da circuncisão deve ser considerada, de modo que pensas que quem acaba de nascer não deva ser batizado e santificado dentro dos oito [primeiros] dias, todos nós pensamos de maneira bem diferente em nosso Concílio. Neste caminho que pensavas seguir, ninguém concorda; ao contrário, julgamos que a misericórdia e a graça de Deus não deve ser negada a ninguém nascido do homem pois, como diz o Senhor no seu Evangelho, 'o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-la'. À medida que podemos, devemos procurar que, sendo possível, nenhuma alma seja perdida [...] Por outro lado, a fé nas Escrituras divinas nos declara que todos, sejam crianças ou adultos, têm a mesma igualdade nos divinos dons [...] razão pela qual cremos que ninguém deve ser impedido de obter a graça da lei, pela lei em que foi ordenado, e que a circuncisão espiritual não deva ser obstaculizada pela circuncisão carnal, mas que todos os homens devem ser absolutamente admitidos à graça de Cristo, já que também Pedro, nos Atos dos Apóstolos, fala e diz: 'O Senhor me disse que eu não deveria chamar a ninguém de ordinário ou imundo'. Entretanto, se nada poderia obstaculizar a obtenção da graça pelos homens ao mais atroz dos pecados, não se pode colocar obstáculos aos que são maiores. Porém, se se crê que até aos piores pecadores e aos que pecaram contra Deus lhes é concedida a remissão dos pecados, não sendo nenhum deles impedido do batismo e da graça, quanto mais não deveríamos obstaculizar um bebê que, sendo recém-nascido, não pecou ainda [pessoalmente], mas por ter nascido da carne de Adão, contraiu o contágio da morte antiga em seu nascimento [...] Logo, querido irmão, esta foi a nossa opinião no Concílio: que, por nós, ninguém deve ser impedido de receber o batismo e a graça de Deus, que é misericordioso, amável e carinhoso para com todos; e que, visto que é observado e mantido em relação a todos, parece-nos que seja ainda mais no caso dos lactantes [...]” (Carta 58, a Fido, sobre o Batismo das Crianças).[9]

É importante observar aqui que o que Fido e talvez outros presbíteros pretendiam fazer não era negar o batismo às crianças – tal como faz hoje uma grande parcela do Protestantismo – mas tão somente retardá-lo para logo depois do oitavo dia do nascimento.

GREGÓRIO DE NANZIANZO

Arcebispo de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Nanzianzo, na Capadócia, no ano 329 e falecido em 389. Célebre por sua eloquência e sua luta contra o Arianismo, juntamente com outros Padres como São Basílio e São Gregório de Nissa. É reconhecido como um dos quatro grandes doutores da Igreja Grega.

Escreveu um belo sermão sobre o batismo onde testemunha a fé da Igreja Primitiva no sentido de que, se para o adulto é necessária a fé para se receber o sacramento, não é assim para a criança (que o recebe em razão da fé dos pais). Com efeito, não há desculpa alguma para se retardar o batismo, nem sequer no caso das crianças:

“Façamo-nos batizar para vencer. Tomemos nossa parte nessas águas mais purificadoras que o hissopo; mais puras que o sangue das vítimas impostas pela Lei; mais sagradas que as cinzas do bezerro, cuja aspersão podia ser suficiente para dar às faltas comuns uma provisória purificação corporal, mas não uma total remissão do pecado. Teria sido necessário, sem isso, renovar a purificação daqueles que já a tinham recebido uma vez? Façamo-nos batizar hoje, para não estarmos obrigados a fazê-lo amanhã. Não retardemos o benefício como se nos surgisse algum problema. Não esperemos ter pecado mais para, mediante ele (=o batismo), sermos perdoados em maior medida; isso seria fazer uma indigna especulação comercial acerca de Cristo. Tomar uma carga superior a que podemos carregar é correr o risco de perder, em um naufrágio, o navio, o corpo e os bens, os seja, todo o fruto da graça que não se soube aproveitar [...] Inclusive as crianças: não deixeis tempo para a malícia apoderar-se delas; santificai-as enquanto são inocentes; consagrai-as ao Espírito enquanto ainda não lhe saíram os dentes. Que pusilanimidade e que falta de fé daquelas mães que temem o caráter batismal pela fragilidade da sua natureza! Antes de o ter trazido ao mundo, Ana dedicou Samuel a Deus e, imediatamente após o seu nascimento, o consagrou; a partir de então, o carregava vestido com um hábito sacerdotal sem temor algum dos homens, em razão da sua confiança em Deus. Não há necessidade, então, de amuletos ou encantamentos, meios de que se serve o maligno para insinuar-se nos espíritos pequenos em demasia e transformar em seu benefício o temor religioso em prejuízo a Deus. Opõe a ele a Trindade, imensa e formosa talismã” (Sermão 40,11.17, sobre o Santo Batismo).[10]

Como opinião pessoal, recomenda que, se não estiverem em perigo do morte, aguarde-se os três anos de idade para que possam recitar superficialmente os mistérios da fé, assinalando que a razão não é requisito para o recebimento do sacramento:

“Tudo isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião: esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e ultrapassam as nossas forças [...] Porém, alguém dirá: 'Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras desde logo o batismo'. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação, mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade” (Sermão 40,26-27).[11]

SÃO JOÃO CRISÓSTOMO

Patriarca de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Antioquia, na Síria, em 347, é considerado um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental. Na Igreja Ortodoxa grega é reconhecido como um dos maiores teólogos e um dos três Pilares da Igreja, juntamente com São Basílio e São Gregório:

“Deus seja louvado! Ele, que produz tais maravilhas! Vês quão múltipla é a graça do batismo? Alguns enxergam nele apenas a remissão dos pecados, mas nós podemos delinear dez dons de honra. Por isso batizamos também as crianças de pouca idade, quando ainda não começaram a pecar, para que recebam a santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo, para que se convertam em membros e morada do Espírito Santo” (Sermão aos Neófitos).[12]

SÃO BASÍLIO MAGNO

Preeminente bispo da Cesaréia e doutor da Igreja, nascido no ano 330 e falecido em 379. É reconhecido como um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental, juntamente com Santo Atanásio, São Gregório de Nanzianzo e São João Crisóstomo:

“Há um tempo conveniente para cada coisa: um tempo para o sono e outro para a vigília; um tempo para a guerra e um tempo para a paz. No entanto, o tempo do batimo absorve toda a vida do homem. Se não é possível ao corpo viver sem respirar, muito menos será para a alma sobreviver sem conhecer o seu Criador. A ignorância de Deus é a morte da alma. Aquele que não foi batizado tampouco foi iluminado. Assim como sem a luz a vista não pode perceber aquilo que lhe interessa, do mesmo modo, a alma não pode contemplar a Deus. Ademais, todo tempo é favorável para conseguir a salvação por intermédio do batismo, trate-se de noite ou de dia, de uma hora ou de espaço menor de tempo, por mais breve que seja. Seguramente, a data que se aproxima é, em maior medida, a mais apropriada. Que época poderia ser, de fato, mais adequada para o batismo que o dia da Páscoa? Pois esse dia comemora a ressurreição e o batismo é uma fonte de energia para obter a ressurreição. Por essa razão, a Igreja convoca, há muito tempo, seus filhos de peito, em uma sublime proclamação, a fim de que aqueles a quem ela deu à luz na dor, colocando-os no mundo depois de tê-los alimentado com o leite do ensino da catequese, se nutram do alimento sólido dos seus dogmas” (Protríptico do Santo Batismo 1).[13]

O PELAGIANISMO: PRIMEIRA HERESIA A REJEITAR O BATISMO DAS CRIANÇAS

Porém, foi só no século V quando apareceu a primeira heresia a negar a necessidade do batismo, inclusive o batismo das crianças. Seu autor foi Pelágio, um monge influenciado por doutrinas pagãs, especialmente do Estoicismo. Minimizava a eficácia da graça e considerava que a vontade, por seu livre arbítrio, podia por si só obter a santidade. Para os pelagianos, não existia qualquer pecado original; imaginavam que se Adão não foi criado imortal, poderia morrer ainda que não tivesse pecado, de modo que as crianças se encontram no mesmo estado de Adão antes da sua queda, não contraindo qualquer pecado original. E negando o pecado original, consequentemente enxergavam o batismo das crianças como desnecessário.

Logo após tornar-se monge, Pelágio viajou para Roma antes do ano 400. Depois de Roma ser conquistada e saqueada pelos Godos, partiu para Cartago e, a seguir, para Jerusalém, acompanhado de Celéstio, outro partidário do Pelagianismo que o ajuda de maneira eficiente a propagar suas doutrinas.

Dezoito bispos, inclusive Juliano de Eclana, aderiram ao Pelagianismo, mas Santo Agostinho combateu tenazmente a heresia. Os bispos pelagianos foram privados das suas sedes e condenados pelos Concílios africanos de Cartago e Milevis (nos anos 411, 412 e 416), os quais sentenciaram:

“Igualmente dispôs que aqueles que negam que os recém-nascidos do seio de suas mães não devem ser batizados ou efetivamente dizem que são batizados para a remissão dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Adão para ser expiado pelo banho da regeneração – de onde, por consequência, se concluiria que neles a fórmula do batismo 'para a remissão dos pecados' deve ser compreendida como inverídica ou falsa, sejam anátemas. Isto porque disse o Apóstolo: 'Por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte; e assim passou a todos os homens, porque nele todos pecaram' [cf. Romanos 5,12], o que não deve ser compreendido de maneira diferente daquilo que sempre compreendeu a Igreja Católica espalhada pelo mundo. Logo, por esta regra de fé, mesmo as crianças pequeninas, que ainda não puderam cometer pecados por si mesmas, são verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de que, pela regeneração, se limpe nelas aquilo que contraíram pela geração” (Concílio de Milevis II, ano 416; Concílio de Cartago, ano 418 - Concílios aprovados pelos Papas Santo Inocêncio I e São Zózimo; Do Pecado e da Graça, cânon 2).[14]

Contudo, os pelagianos se negaram a submeter-se aos Concílios. Os Concílios, então, escreveram ao Papa para que aprovasse as decisões destes Concílios Regionais, o que de fato ocorreu através do Papa Inocêncio I. Santo Agostinho, de posse da sentença da Sé Apostólica (=Roma), deu o caso por encerrado, mas logo após a morte do Papa Inocêncio, Celéstio proferiu diante do Papa Zózimo umas confissão de fé que esteve perto de confundi-lo, mas este tornou a confirmar as sentenças do seu predecessor. Mais tarde, no ano 431, o Concílio de Éfeso voltou a condenar o Pelagianismo que tentava agora se propagar pela Inglaterra.

SANTO AGOSTINHO

Bispo de Hipona e doutor da Igreja, é reconhecido como um dos quatro doutores mais primorosos da Igreja Latina. Nasceu em 354 e foi bispo de Hipona por 34 anos. Combateu duramente todas as heresias da época e faleceu no ano 430. Os textos contrários ao Pelagianismo são abundantes, razão pela qual, por uma questão de espaço, citarei apenas alguns, nos quais aprofunda a questão da necessidade de se batizar as crianças para purificá-las do pecado original:

“O batismo dos filhos de pais cristãos: apesar do matrimônio justo e legítimo destes filhos de Deus, não nascem filhos de Deus, em razão desta concupiscência. Isto porque os que geram, embora já tenham sido regenerados [pelo batismo], não geram como filhos de Deus, mas como filhos do mundo. Com efeito, esta é a sentença do Senhor: 'Os filhos deste mundo geram e são gerados'. Por sermos filhos deste mundo, nosso homem interior se corrompe; por isso, são gerados também filhos deste mundo e não serão filhos de Deus se não forem regenerados. Entretanto, por sermos filhos de Deus, nosso homem interior se renova a cada dia; e também o homem exterior, pelo banho da regeneração, é santificado e recebe a esperança da incorrupção futura, sendo por isso chamado com toda a razão 'templo de Deus'” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,18,20).[15]

“Todo aquele que nega que as crianças, ao serem batizadas, são arrancadas deste poder das trevas, do qual o Diabo é o príncipe, ou seja, do poder do Diabo e de seus anjos, é refutado pela verdade dos próprios sacramentos da Igreja. Nenhuma novidade herética pode alterar ou destruir qualquer coisa na Igreja de Cristo, já que a Cabeça dirige e auxilia todo o seu Corpo, tanto aos pequenos (=crianças) quanto aos grandes (=adultos)” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,20,22).[16]

“Com efeito, desde que foi instituída a circuncisão no povo de Deus – que então era o sinal da justificação pela fé – esta teve valor por significar a purificação do antigo pecado original também para as crianças, da mesma forma como o batismo começou a ter valor também para a renovação do homem desde o momento em que foi instituído. Não que antes da circuncisão não houvesse justiça alguma pela fé – pois o próprio Abraão, pai das nações que seguiriam a sua mesma fé, foi justificado pela fé, mesmo sendo todavia incircunciso – mas porque o sacramento da justificação pela fé esteve totalmente escondido nos tempos mais antigos. Porém, a mesma fé no Mediador salvava os antigos justos, pequenos e grandes” (Do Matrimônio e da Concupiscência 2,11,24).[17]

A REFORMA PROTESTANTE E O MOVIMENTO ANABATISTA

Seria apenas séculos depois, não mais pelos pelagianos mas por um movimento totalmente diferente, surgido em Zurique em torno da Reforma Protestante promovida pelo reformador Ulrico Zwínglio, que se levantaria oposição ao batismo das crianças. Os partidários deste movimento foram chamados “anabatistas” (ou “batistas”).

O nascimento deste movimento remonta ao ano 1523, quando a Reforma chegou a Zurique. Não passou muito tempo para que começasse a ocorrer divisões dentro do Protestantismo. De Zwínglio se separaram vários grupos protestantes que anteriormente colaboravam na formação de uma comunidade independente da tutela da autoridade civil. Entre estes estavam Conrado Grebel (1498-1526) e Feliz Mantz (1500-1527), que passaram a desenvolver a idéia de que apenas os que críam retamente e levavam conduta pia eram membros da Igreja; assim, segundo suas opiniões, o batismo das crianças não podia nem sequer ser considerado batismo, sendo portanto inválido. Os anabatistas passaram então a se rebatizar, rejeitando a validade do seu primeiro batismo e alegando que apenas aqueles que podiam expressar conscientemente a fé em Cristo podiam ser batizados.

No ano 1524, Grebel rejeitou que seu novo filho fosse batizado e ocasionou um conflito com o Conselho de Zurique; em janeiro de 1525, o Conselho dispôs que fosse expulso da cidade quem, no prazo de oito dias, não batizasse seus filhos. Grebel e Mantz também foram proibidos de pregar[18], mas como o Protestantismo já tinha rejeitado a autoridade da Igreja [Católica], tendo em vista a livre interpretação da Bíblia, o novo movimento também não tinha motivos para se submeter às novas autoridades protestantes. A “caixa de Pandora” estava aberta e a partir de então não havia mais como o Protestantismo guardar uma unidade doutrinária.

É neste contexto que surgiram as inquisições protestantes. Mas apesar de se servirem da tortura e, em 7 de março de 1526, ter sido decretada pena de morte para todos aqueles que realizassem um segundo batismo, não foi possível conter os anabatistas (o mesmo passaria a ocorrer, aliás, com cada nova denominação protestante). Começaram assim as execuções de anabatistas, entre elas as de Félix Mantz (por afogamento), Jorge Blaurock e Miguel Sattler (ambos queimados vivos). As vítimas continuaram, mas o Anabatismo se propagou inclusive para a Alemanha, terra de Lutero, e os Países Baixos, onde a palavra de Calvino era a lei.

Proibidos tanto nas regiões católicas quanto nas protestantes, apareceram diferentes grupos anabatistas (menonitas, huterianos), alguns pacíficos, outros nem tanto. Um dos líderes destes grupos anabatistas violentos foi Tomás Müntzer, que logo depois de ser seguidor de Lutero acabou se tornando seu férreo inimigo. Liderou grupos de camponeses que, embora fizessem reclamações justas e buscassem o apoio de Lutero, acabaram partindo para a violência quando este último ofereceu-lhes a espada. É neste momento que Lutero escreve a obra “Contra as Hordas de Bandidos e Assassinos Camponeses” (WA 18,357-361), em que exorta os príncipes a realizar uma matança de camponeses, em público ou em privado, culminando tudo em um grotesco massacre.

Com o passar do tempo, a tendência anabatista foi penetrando nas diversas denominações protestantes, ecoando suas tendências referentes ao batismo inclusive em denominações não- anabatistas (pentecostais, metodistas), embora rejeitadas por outras (calvinistas, luteranos, reformados). A divisão chegou a tal ponto que hoje conheço comunidades eclesiais luteranas que rejeitam o batismo de crianças (embora continuem sendo exceção e não regra).

Entre algumas confissões protestantes rejeitando as doutrinas anabatistas, podemos mencionar:

“O Batismo: ensinamos que o Batismo é necessário para a salvação e que pelo Batismo nos é dada a graça divina. Ensinamos também que se devem batizar as crianças e que por este Batismo são oferecidas a Deus e recebem a graça de Deus. É por isso que condenamos os Anabatistas que rejeitam o Batismo das crianças” (Confissão de Augsburgo, artigo 9; ano 1530 – Igrejas Luteranas).

“Não apenas devem ser batizados aqueles que professam a fé em Cristo e obediência a Ele, como também as crianças, filhas de um ou de ambos os pais crentes” (Confissão de Westminster 28,4 – Igrejas Reformadas).

“Pergunta: Deve-se também batizar as crianças?

Resposta: Naturalmente, pois, como os adultos, encontram-se compreendidas na Aliança e pertencem à Igreja de Deus[a]. Tanto a estas quanto aos adultos se lhes promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados[b] e o Espírito Santo, operário da fé[c]; por isso, e como sinal desta Aliança, [ambos] devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis[d], assim como se fazia na Aliança do Antigo Testamento pela circuncisão[e], cujo substituto na Nova Aliança é o Batismo[f]. Notas: [a] Gênesis 17,7; [b] Mateus 19,14; [c] Lucas 1,15; Salmo 22,10; Isaías 44,1-3; Atos 2,39; [d] Atos 10,47; [e] Gênesis 17,14; [f] Colossenses 2,11-13” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 – Igrejas Reformadas).

“Opomo-nos aos anabatistas, os quais não aceitam o batismo infantil dos filhos dos crentes. Porém, conforme o Evangelho, 'o reino de Deus é dos pequeninos' e estes encontram-se incluídos na Aliança de Deus. Portanto, por que não devem receber o sinal da Aliança de Deus? Por que não devem ser consagrados pelo santo batismo, considerando que já pertencem à Igreja e são propriedade de Deus e da Igreja? Igualmente negamos as demais doutrinas dos anabatistas, que contêm pequenas considerações próprias e contrárias à Palavra de Deus. Em suma: não somos anabatistas e com eles nada temos em comum” (Confissão Helvética – antiga confissão protestante de 1566).

“Por esta razão, cremos que quem deseja entrar na vida eterna deve ser batizado uma [só] vez com o único Batismo, sem repetí-lo jamais, já que tampouco podemos nascer duas vezes. Mas este Batismo é útil não apenas enquanto a água está sobre nós, mas também todo o tempo de nossa vida. Portanto, reprovamos o erro dos anabatistas, que não se conformam com o único batismo que receberam e que, além disso, condenam o batismo das crianças [filhas] de crentes, as quais cremos que se deve batizar e selar com o sinal da Aliança, como as crianças em Israel eram circuncidadas nas mesmas promessas que foram feitas aos nossos filhos. E, certamente, Cristo não derramou menos o seu sangue para lavar as crianças dos fiéis como o fez pelos adultos; [por seu sangue] devem receber o sinal e o sacramento daquilo que Cristo fez por elas, da mesma forma como o Senhor, na Lei, ordenou que participassem do sacramento do padecimento e morte de Cristo pouco depois de terem nascido, sacrificando por elas um cordeiro, o qual era um sinal de Jesus Cristo. Por outro lado, o Batismo significa para nossos filhos o mesmo que a circuncisão significava para o povo judeu, o que fez São Paulo chamar o Batismo de 'a circuncisão de Cristo'” (Confissão Belga de 1619, artigo 34 – a Confissão Reformada dos Países Baixos e de várias igrejas reformadas atuais).

Os anglicanos também rejeitaram o anabatismo:

“Do Batismo – O batismo não é apenas um sinal da profissão e uma nota de distinção pela qual se identificam os cristãos e os não-batizados, mas também é um sinal da regeneração ou renascimento, pelo qual, como por instrumento, os que recebem retamente o batismo são inseridos na Igreja; as promessas da remissão dos pecados e a de nossa adoção como filhos de Deus por meio do Espírito Santo são visivelmente assinaladas e seladas; a fé é confirmada; e a graça, em razão da oração a Deus, é ampliada. O Batismo das crianças, sendo conforme com a instituição de Cristo, deve ser inteiramente conservado na Igreja” (Os 39 Artigos da Religião, capítulo 27 – confissão doutrinária histórica da Igreja Anglicana).

João Calvino, em sua obra “Instituição da Religião Cristã” dedica uma seção para refutar o anabatismo. Pode ser vista aqui.

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Notas:

[1] Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/anf01/ix.viii.xxxiv - http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm

[2] Extraído da edição preparada pela Conferência do Episcopado Mexicano no ano jubilar de 2000.

[3] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.

[4] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, p. 41.

[5] Ibid, p. 43.

[6] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.

[7] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, pp. 45 e 47.

[8] V. http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm

[9] Traduzido a partir de http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm

[10] “O Batismo segundo os Padres Gregos”. Adaptação pedagógica do Dr. Carlos Etchevarne, Bach. Teol., pp. 14 e 16-17. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm

[11] Ibid, pp. 22-23. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm

[12] Ibid, p. 57.

[13] Ibid, p. 4.

[14] DENZINGER, Enrique. “O Magistério da Igreja: Manual de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja em Matéria de Fé e Costumes”. Versão direta dos textos originais por Daniel Ruiz Bueno, Editorial Herder, 1963, p. 39.

[15] “Obras Completas de Santo Agostinho: Tomo XXXV-Escritos Anti-Pelagianos (3º), Réplica a Juliano”. BAC 457, p. 272.

[16] Ibid, p. 276.

[17] Ibid, p. 332.

[18] Para uma história mais detalhada sobre o Movimento Anabatista, consultar: “Manual de História da Igreja”, de Hubert Jedim, Tomo V, Editorial Herder.

• Fonte: http://www.apologeticacatolica.org; tradução: Carlos Martins Nabeto